Thursday 16 December, 2004

Aluna de Linguagem Gráfica aplica nossa percepção das relações entre Mídia, Ética e Estética e sua vida e de sua família mudam

Muitos são os depoimentos favoráveis à percepção e metodologia (desenvolvidas nos últimos 30 anos e consolidadas a nível de Mestrado e Doutorado) que uso para tratar das relações entre Mídia, Ética e Estética.
Muitos destes depoimentos estão em meu arquivo.
Aqui está um deles, para mim especialmente estimulante, da aluna Renata Lehmann:

From: "tatapots"
Date: Wed, 15 Dec 2004 00:26:22 -0300
To: "evandroshaktishiva"
Subject: Conclusão =)

Olá Evandro!

Aqui é a sua ex-aluna mala, a Renata da EC1 2004-2, pra variar. Tudo bom?

Escrevo-lhe para dizer o quanto foi bom ter aula com você no meu primeiro período da faculdade. Pelo visto, não fui só eu que gostei. Sua participação no nosso amigo oculto é prova disso. Não abrimos a brincadeira para nenhum outro professor - não por mal, mas parece que a única pessoa que fez nascer em nós um sentimento de amizade aluno-professor foi você. Sempre há os que acham que quem se apega a algum professor, é puxa-saco... na nossa turma não foi diferente. Mesmo assim, posso te garantir que gosto de você de graça, e que por mais que soe como auto-propaganda, não é do meu perfil dizer que gosto das pessoas apenas para conseguir algo em troca.

Estou enchendo sua caixa-postal mais uma vez - só que agora para dizer o quanto eu me tornei uma pessoa melhor depois de suas aulas. Obrigada por ser um cara tão doce e amável com seus alunos. Creio que dificilmente encontraremos outro professor tão amigo quanto você. Não sabia que poderia aprender tanto sobre a vida numa universidade...definitivamente sou uma pessoa mais tranquila, com menos "colapsos psicóticos". Aprendi com você a ser um ser humano menos reto - a aceitar as diferenças do Outro e a nunca mais julgá-lo. Sempre há alguma coisa linda dentro de cada pessoa que , se temos a oportunidade de conhecer, somos realmente privilegiados. Porém, só seremos privilegiados se estabelecermos um "entre" com o

Outro. Aprendi a escutar mais do que falar; a sorrir mais do que reclamar e a gostar de mim do jeito que eu sou. Obrigada por tudo Evandro. Eu realmente espero que continuemos amigos e que, você e a sua família tenham na vida toda a paz e tudo de bom que há no mundo, pois vocês merecem.

Ah, e não sei se você vai ficar feliz com isso, mas saiba que você arranjou uma propagadora do mundo "Evandrístico". Tento semear nas pessoas o mesmo que você tentou semear nos seus alunos: mais paz de espírito e serenidade e menos corrupção humana, menos violência. Meu pai e meu namorado mesmo já são ótimos alunos =) O primeiro é arquiteto e o segundo, administrador. Mesmo não estando inseridos no mundo das ciências humanas, ficam completamente curiosos e interessados (além de boquiabertos) com as verdades e melhoras que a linguagem gráfica nos proporcionam =) Meu pai já até roubou sua dissertação de mim para lê-la.

Outra coisa: sou infinitamente agradecida a você também por me ajudar a ajudar (sem que eu percebesse) meu pai a parar de fumar. Antes eu não tinha paciência com ele, e não entendia que quanto mais grosserias e mais chantagens eu fizesse, menos estímulo ele teria para parar de fumar. Mas nunca tinha pensado o quão importante era dizer o quanto eu gostaria de abraçá-lo, e de ficar mais perto dele. E que o cheiro de cigarro dele somado a todas as minhas alergias e problemas de faringe só me afastava dele. Só me fazia ficar mais triste por não poder estar perto dele, que eu tanto amo. Eu nunca tinha dito a ele que o amava. Pois bem, falei isso já sem intenção nenhuma deconvencer, apenas como desabafo. Estabeleci um diálogo com ele, viramos amigos. Aprendi com você que a violência do ato de tentar forçar ou impor algo a alguém, só torna as coisas mais desagradáveis. Sem que eu percebesse, ele parou de fumar. Já está há 1 mês sem colocar um cigarro sequer na boca . Um cara que fumou como uma chaminé desde os 13 anos de idade, e que agora tem 51, disse para
mim que ele não sabia que eu gostava tanto dele assim, e que para ter o carinho da filha dele, e apenas isso, ele parou de fumar. Isso pra mim já valeu a vida inteira.

Acho que não preciso dizer mais nada.

Muito obrigada por tudo, Evandro! Você é show de bola mesmo.

Um grande abraço cheio de boas vibrações para você e para sua família

Renata Lehmann

Tuesday 31 August, 2004

A Ancestralidade, o Rim e o Umbigo: Reflexões Práticas no Inverno Anual e Civilizatório

Artigo de Evandro Vieira Ouriques

(escrito para a minha intervenção no trabalho Inverno-Ciclo das Estações pela Medicina Chinesa Antiga, dirigido pela Dra. Rose Souza, em 04.08.2004, na Associação Brasileira de Arte e Ciência Oriental, Rio de Janeiro, dirigida pelo Dr. Raimundo Sohaku)

Quando me perguntam "Como cuido de mim ou de minha organização?", recomendo a construção de estados mentais não-violentos. Neste Inverno, a Dra. Rose Souza chama a atenção, em seu reconhecido trabalho, que esta Estação é, para a medicina chinesa antiga, o Tempo do Rim e da Bexiga. E que no Rim está armazenada a Ancestralidade, esta questão decisiva em minha vida e trabalho.

A construção de estados mentais não-violentos, o mesmo que estado de saúde, depende de que tenhamos nossa mente focada nos ensinamentos que advêm do fato concreto –inarredavelmente científico- de que temos ancestrais e que nossa interdependência para com eles precisa ser levada em conta. O que demanda um grande esforço, pois a economia psíquica pós-moderna se organiza ao redor da antecipação do futuro, ou seja, do que vem depois, do próximo objeto, da próxima conquista (seja de uma pessoa que assim se torna um objeto ou de qualquer outro objeto de consumo).

Recentemente quando estive na Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro (1) para falar a respeito das relações entre a não-violência mental e a saúde psíquica e social, uma especialista presente comentou um fato extremamente sintomático. O Hospital da Aeronáutica/RJ -o antigo e belo Hospital Alemão, situado no Rio Comprido e entregue ao Governo Federal em 1942- passou recentemente por uma reforma de "modernização" e a pedra fundamental daquele histórico prédio simplesmente sumiu. Ninguém sabe onde está o fundamento. Não é à toa que a medicina alopata trabalha apenas o sintoma e desconhece a origem causal, pois ela só pode ser encontrada sempre a partir do passado, do fundamento.

Ao contrário desta tendência cada vez mais intensa hoje de valorizar apenas o "novo", a ciência prova exaustivamente que é apenas graças aos nossos ancestrais que temos existência. Graças à árvore da qual somos fruto: tanto a árvore genealógica mais diretamente humana, nossos ancestrais pré-históricos, quanto aos nossos impensáveis ancestrais biológicos, celulares. Recentemente o estudo do genoma humano, por exemplo, nos revelou insuspeitos e íntimos parentescos nossos com certos animais como o rato…

Cientificamente, somos uma grande família. Como seres vivos e como seres sociais, nós somos descendentes -por reprodução- não apenas de nossos antepassados humanos, como dito, mas, muito além, de ancestrais não-humanos e por isso muito diferentes e que remontam há mais de três bilhões de anos. As células eucariontes, por exemplo, que compõem a totalidade dos corpos humanos, surgiram por volta de dois a dois bilhões de meio de anos atrás…

Todas as nossas células são descendentes, igualmente por reprodução, da célula particular que se formou quando um óvulo se uniu com um espermatozóide e nos deu origem (2). Não levamos em conta esta realidade em cada uma de nossas decisões, por exemplo. E é assim que ficamos doentes, desmemoriados do que somos.

Todas as células de um indivíduo são portanto descendentes da célula particular que se formou quando um óvulo de sua mãe se uniu com um espermatozóide afeiçoado por ele. A ciência já sabe que o óvulo se relaciona com os espermatozóides que se aproximam dele e libera determinadas substâncias que amolecem a área de seu próprio envólucro que está justamente diante do espermatozóide pelo qual também se afeiçoou, selecionou.

Ou seja, o Princípio Feminino participa ativamente da concepção (3), ao contrário do que fala a versão patriarcal/machista ao exaltar aquele "único e bravo" que venceu, "por si só", todos os outros, e "penetrou" na "passiva fêmea"…

A comunicação entre estes opostos complementares, a oposição-fundamento Yin e Yang, é a origem de você, que me lê agora. E mais: você continua a ser e sempre será apenas relação, como fostes na origem. Uma origem que não está no passado. Que está agora, em cada célula sua, em cada percepção sua à palavra que falo, em cada gesto no qual escrevo para você.

A doença, portanto, é a desconexão. É a perda da memória da Origem, esta que se manifesta na Ancestralidade. A Origem é assim esquecida e fica mentalmente separada do Ser Humano, que se pensa independente dela, de forma absoluta e última: Natureza separada de Cultura, Homem separado de Mulher, Vitória separada de Derrota.

É por isto que "ser vitorioso" é dominar, humilhar, abandonar o outro, excluí-lo, para pateticamente querer cuidar "apenas de si", como se isso fosse possível. Como uma criança congelada na fase do "quero-porque-quero", quando pensa existir sozinha…

As estatísticas da violência e da miséria de todas as ordens estão aí para comprovar este estado atual de infância generalizada (4). Que é exatamente o contrário da experiência de comunicação, da experiência de saúde, da experiência de democracia, aquela que ocorre entre, na relação efetiva entre células, orgãos, pessoas, culturas, civilizações (5).

Doença é a não-comunicação

Por isso o Dr. Hélio Holperin vê em seu trabalho com a homeopatia a "relação íntima entre a doença, que é um comportamento celular, e o comportamento humano, que é o reflexo do nível de consciência de quem adoece" (6).

Hoje, uma simples Olimpíada escolar existe apenas pela idéia de que poucos vão ganhar o "melhor" e a maioria vai ficar na pior, à espera de um dia ser "vitoriosa".

Essa é uma péssima e sintomática pedagogia, que nos faz entender o ódio de uma torcida contra a outra, de uma corporação contra a outra, de uma religião contra a outra, enfim o ódio entre crianças, entre alunos, alunos e professores, pessoas, partidos, classes, religiões, corporações, traficantes, mendigos, amantes, e mesmo, de forma muitas vezes surda, amigos e familiares.

É preciso que entendamos, se queremos estados mentais não-violentos (a cura) que a oposição é, sim, própria da Vida. E que ela exige que o indivíduo (o sujeito do ponto de vista ocidental) se afirme, como cada um de nossos ancestrais se afirmou para que estivéssemos aqui vivos. Mas trata-se de uma afirmação que não se faz na exclusão e supressão do Outro. Exclusão e supressão que é a violência. A doença. Sua origem? A perda do sentido de Unidade (7).

Por isso, a re-incorporação da Ancestralidade, através de metodologia própria para a lembrança mental e corporal, é o remédio que restabelece o vigor das redes que são as nossas famílias internas (celulares, orgânicas, emocionais, mentais, energéticas, enfim Chi manifesto) e nossas famílias externas (consanguinidade, vizinhança, comunidades, organizações, instâncias do Estado, corporações econômicas, mídia).

Como se sabe, a maneira mais eficaz de avaliar a justiça e a bondade de um reino continua a mesma recomendada pelo clássico da mutação I Ching (8) e que, entendo, podemos aplicar também na avaliação do reino do corpo: percorrer todas as partes do reino para ver como as coisas realmente estão. Se os estados mentais do sujeito se movimentam em acordo ou desacordo com as qualidades formais e sensíveis dos orgãos.

A doença é portanto realmente falta de comunicação, como percebemos Dr. Raimundo Sokaku e eu nos anos 80, em uma de nossas sempre longas conversas a respeito das relações entre a Tradição e o vigor de uma Cultura de Saúde. Hoje, eu sustento que doença é a não-comunicação, na medida em que compreendida a lição de cada uma das doenças, ou seja as virtudes que precisam ser aprendidas, elas deixam de ser doença como maldição e passam a ser simplesmente irmãs, misericordiosa revelação dos ensinamentos que vêm da face mortal de nossa Mãe.

Na última greve de fome de sua vida, Mahatma Gandhi tinha 78 anos. Era janeiro de 1948, aquele herói lutava pela Paz na Índia e no Paquistão, dilacerados, divididos e "independentizados". Aqueles que o iriam assassinar já tinham chegado a Nova Delhi. Cuidar do Mahatma era uma tarefa difícil, pois ele estava quase à morte, à beira da coma total.

Os representantes máximos de todas as forças políticas e religiosas decisivas da Índia e do Paquistão, e mesmo a do ex-Vice-Rei do Império das Índias -então já Governador-Geral da Índia e do Paquistão- estavam a sua cabeceira, convocados por ele a se entenderem. Sob a pena de Gandhi se entregar deliberadamente à Morte.

Pois bem, tratava-se do destino de 400 milhões de seres humanos, e se ele estava no fiel da balança, era por estar focado na não-violência, no respeito à totalidade, na honra à Ancestralidade que exige a tolerância, o diálogo, o respeito mútuo, o encontro da semelhança que re-une os irmãos e as irmãs. Re-une a dispersa família.

Mesmo tendo uma magnitude que palidamente se percebe após centenas de páginas e muita meditação, Gandhi (9), a Grande Alma (este é o significado de Mahatma), apresentou bruscas crises de desespero -em momentos de muita intimidade- diante de alguns minutos de atraso na chegada de um item vital em seu código de higiene. Contrito com seu próprio paradoxo, assim ensinou: "Não nos tornamos verdadeiramente conscientes de nossas imperfeições (…) senão atravessando uma prova como o jejum" (10).

A vitória da ascendência sobre si,
pelo exercício da memória de quem se é

A questão é que aquele que se reconhece como indivíduo, e começa a se instalar de forma densa quando o cordão umbilical é cortado, necessariamente precisa se reconhecer como responsável por si mesmo. E isso dá medo. E mais, dá pânico. Um pânico aterrador. "Estou sozinho" é um estado mental muito próximo ao de "fui abandonado", quando a Mãe é maldita. Agora vejam! O estado emocional (aqui o mesmo que estado mental) relacionado com o Rim é exatamente o medo, o pânico.

Portanto o Rim nos fala que é para vencermos este medo infantil, que nos faz querer controlar compulsivamente o mundo, e que cresce até se tornar pânico generalizado, este estado mental que caracteriza os dias atuais, com sua violência, guerra, miséria e terror. Entre o Nascimento dado e a invernal e escura Morte certa, o ser humano tem muitas razões para ter medo e pânico, mas trata-se de um estado mental superável.

Neste sentido, nossos ancestrais chineses nos ensinam que a virtude relacionada ao rim é a força de vontade. Exatamente a qualidade necessária para superar o pânico e construir estados mentais não-violentos.

Com honestidade, sinceridade e integridade (atitudes recomendadas pelo Dr. Hélio como favorecedoras do Rim e Vias Urinárias [11]) precisamos manter na mente os ensinamentos da Ancestralidade. Esta chama que seria a de uma olimpíada adequada ao Terceiro Milênio: aquela em que se busca a vitória sobre o estado bárbaro que está dentro de cada um de nós (12); a vitória da ascendência sobre si, pelo exercício da memória de quem se é.

O ensinamento esquecido do Umbigo:
a memória dos Tempos e da Eternidade

Nossos umbigos são a maior lição evidente de ancestralidade que temos inscrita em nossos corpos. Tão devocionalmente interessados e crentes na "potência" libertadora e criadora do ciberespaço por si mesmo, esquecemos de olhar para o nosso próprio umbigo e vê-lo como a tomada de conexão da rede da ancestralidade.

Esta rede que nos pluga à nossa mãe e pai, às mães e aos pais deles, e mais uma vez às mães e aos pais daqueles, e também, e dos outros mais, fios de hereditariedade que se encontram na memória dos tempos. Exatamente esta genealogia que precisamos ter em mente, e que ultrapassa a história humana e mergulha –na mesma proporção em que mergulhamos em nossos corpos os alimentos, a água e o ar- na inexorável e determinante história biológica da Vida e do Universo.

Podemos entender que o Umbigo, ao contrário de nos inspirar apenas como egoístas, em verdade nos lembra da Mãe e esta do Pai, e este da Mãe, e enfim, e por começo, do Colar da Ancestralidade. Como o formado pelo oceano, praias e rios de hoje e de ontem nos quais repousam todos os grãos de areia. Como nós, humanos, queremos repousar dinamicamente em nossos corpos, em todas as nossas relações, por todas as nossas relações.

Escutemos então neste Inverno a voz da Ancestralidade, da qual a Voz Indígena (13) nos fala de forma tão privilegiada. Pois ela é a nossa própria voz. A voz das verdades necessárias a cada um de nós e que só se revelam na medida exata de nosso esforço disciplinado. Do esforço de aprender a medicina -usando uma expressão indígena norte-americana- do Inverno. Deste Inverno não apenas no sentido do Ciclo Anual, mas também, e sobretudo, no sentido de Inverno Civilizatório, pois com certeza os ventos que ventam na epopéica Civilização Ocidental são agora invernais e escuros. Este é a aventura que se oferece a nós.


Notas

1. Tema apresentado no debate promovido pelo Serviço de Reabilitação da Polícia Federal/RJ, em 27.08.2004, a respeito da atual condição masculina, a partir das questões do filme Beleza Americana, que encerrou da série de dez encontros do projeto Reflexão para Homens da Polícia Federal. Faziam também parte da mesa (sob a responsabilidade do coordenador do referido Serviço, Sr. João Paulo Bezerra do Nascimento, agente da Polícia Federal, fisioterapeuta, acupunturista, e do Dr. Luiz dos Santos, psicológo): o Dr. Sebastião Luiz Rodrigues Moreira, homeopata, agente da Polícia Federal e presidente do Sindicato dos Servidores do Departamento de Polícia Federal no Rio de Janeiro; e o Dr. Philippe Bandeira de Mello, psicólogo yunguiano e transpessoal.

2. Ver MATURANA, Humberto R. e VARELA, Francisco J. 2001. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Palas Athena, São Paulo.

3. WILHEIM, Joanna. 2002. O que é psicologia pré-natal. Casa do Psicólogo. p.25

4. Refiro-me ao conceito de Lacan.

5. Ver OURIQUES, Evandro Vieira (org.). 2003. Diálogo entre as civilizações: a experiência brasileira. ONU, Rio de Janeiro. Apoio institucional UNESCO, Viva Rio, MIR/ISER, CETCC/ECO/UFRJ e Associação Palas Athena. Este livro está disponível para download gratuito em www.unicrio.org.br, Biblioteca.

6.HOLPERIN, Hélio. 1999. A cura pelas virtudes, um redimensionamento da saúde e da cura. Pensamento, São Paulo. p.8

7. Ver OURIQUES, Evandro Vieira. 2002. Como o ser humano voltou ao lugar de onde nunca saiu: a Unidade Sagrada. In www.uri.org/rio2002, Ciclo Preparatório da Assembléia Global da United Religions Initiative, Mesa-Redonda Os Imperativos Ecológicos e a Mobilização da Sociedade. URI, Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro/ISER e Viva Rio.

8. Ver JULLIEN, François. 1997. Figuras da imanência: para uma leitura do I Ching, o clássico da mutação. Editora 34, Rio de Janeiro.

9. Sobre o papel transmutador da entrega com propósito, é muito importante compreender a questão da ação desinteressada. Ler, p.ex.: OURIQUES, Evandro Vieira. 2004. Gandhi e a ética na mídia. In http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=291ASP021

10. LAPIERRE, Dominique e COLLINS. Larry. 1976. Esta noite a liberdade. Círculo do Livro, São Paulo. p.478. Trata-se de longo e muito interessante trabalho, apesar de mostrar-se escrito sob uma forte ótica européia e sobretudo pró-inglesa. No entanto, tendo em vista o reconhecimento que Gandhi faz em sua autobiografia de outras dificuldades pessoais, registro esta citação por ela exemplicar bem o caráter titânico da luta pela ascendência sobre si.

11. HOLPERIN. 1999:49

12. Refiro-me à expressão do sociólogo francês Michel Maffesoli: ver seu livro A razão sensível. 2001. Editora Vozes, Petrópolis.

13. Ler OURIQUES, Evandro Vieira. 2004. A Voz Indígena. In http://www.rebelion.org/mostrar.php?tipo=1&id=91.


Sobre a Ação Desinteressada em Gandhi e a Ética na Mídia

Artigo de Evandro Vieira Ouriques

(Publicado em vários sites, entre eles Observatório da Imprensa, Consciencia.net, Revista NovaE, Comunique-se

Recentemente, em uma conhecida lista de discussão a respeito de éticae mídia, alguém qualificou Mahatma Gandhi e Dom Hélder Câmara de"falsos profetas", chegando a esta conclusão inquietante, e sintomática como procurarei mostrar, apenas avaliando dois pensamentos destes homens, que haviam sido gentilmente postados na lista por outra pessoa.

Dom Hélder foi considerado "falso profeta" por ter dito algum dia que "o segredo para ser e permanecer sempre jovem, mesmo quando o peso dos anos castiga o corpo, é ter uma causa a que dedicar a vida". Isto foi considerado um sofisma, pois para se viver se precisaria saúde, e em relação a se ter uma causa para isto, foi recomendado cuidado, pois Hitler também "tinha, e bem definida, uma causa". Por sua vez, o crime de Gandhi foi ter dito, também um dia, que "a satisfação está no esforço e não no resultado final". Esse princípio, central no pensamento gandhiano, foi considerado uma "falácia", pois "em qualquer atividade o importante é o resultado".

Eles foram assim sumariamente julgados e condenados em exatas 57 palavras, incluindo a assinatura da mensagem a qual analiso: tanto Gandhi, o homem prático que recusou os modelos simplificadores e criou uma ética operacional política que libertou os "intocáveis" e a Índia por meios não-violentos, fundando assim um novo regime político e um Estado, e pondo a pá-de-cal no Império Britânico; quanto Dom Hélder, o ganhador do exigente Prêmio Popular da Paz, defensor enérgico da Teologia da Libertação e da Não-violência durante a sombria Ditadura Militar brasileira.

Reflitamos um pouco sobre este caso. O que Gandhi -que nunca foi profeta, quanto mais falso- fez ao falar do desapego em relação ao resultado das ações, é negar o produtivismo, essa mentalidade doentia que, hoje de forma ainda mais intensa do que nos dias gandhianos, sincroniza os aspectos sombrios do capitalismo tardio com a irreferência da pós-modernidade, paradoxalmente referenciada no "livre" exercício de quaisquer desejos, cuja legitimidade é apenas a de sentí-los, e no dinheiro como equivalente geral, como Marx o denominava.

O que está em vigência hoje, sabe-se, é a mercantilização absoluta das relações, quando nos obrigamos a calcular o lucro que cada ação e cada relação nossa nos trará, para que o acumulemos, como se isto fosse felicidade. É esta mentalidade, precisamente, que fez com que a cultura de comunicação fosse sucedida pela atual cultura da informação, pois a experiência de comunicação é aquela da ordem da diferença, e portanto, aquela que se produz apenas no entre, nas relações.

A cultura da informação, ao contrário, é exatamente a que se constrói no dirigir-se a, ou seja, é aquela a qual só interessam os resultados da atividade, que serão obtidos junto à audiência pela transmissão da informação dirigida a ela, da maneira a "mais eficaz possível". É daí que temos a cultura da eficácia, do produtivismo, e o entendimento da Comunicação não como communication mas apenas como communications, ou seja, apenas como meios de comunicação, meios de persuasão. (Im)puro convencimento.

Lembramos como esta perspectiva interessa ao sistema, já que é ela que o sustenta ao garantir o esquecimento da experiência -sempre livre e desinteressada- da comunicação (pois nunca podemos saber onde as conversações nos levam) em prol da ação interessada no mundo, da transformação do mundo em mercado, do sujeito em consumidor e do pensante em idiota, seja lá qual for a cor de sua pele.

Gandhi fala exatamente do oposto. Ele não age porque vai ganhar alguma com isso no sentido vulgar. Ele age porque este comportamento é da ordem da ética. É ético. E por ser ético, basta a si próprio, não necessitando de nenhum resultado "objetivo".

Se alguém está entendendo estas rápidas considerações como mera divagação, o que é compreensível pela falta de hábito capitalista e pós-moderno de pensar, ainda mais com vagar, sublinho que do ponto de vista o mais pragmático que seja, é através do desapego dos resultados da ação que podemos eliminar, por exemplo, a correspondente frustação e depressão -um dos padrões psiquícos mais presentes na humanidade hoje- que teremos que incorporar e administrar se vivemos na expectativa do reconhecimento alheio para cada atitude nossa.

Generosidade é outro nome deste desapego, que certamente é da ordem da solidariedade, aquela a qual o Forum Social Mundial, por exemplo, tanto se refere quando examina se um outro mundo é possível, ou nós quando trabalhamos para saber se uma outra comunicação é possível. Ou, a rigor, se a experiência de comunicação ainda é possível.

A precipitação deste julgamento infeliz me faz lembrar de todos os meus próprios julgamentos infelizes, que acabaram por me convencer, inclusive a partir do exemplo de pessoas extraordinárias como Gandhi e Dom Hélder, que se queremos ética, e consequentemente ética na mídia, devemos avaliar sempre de maneira profunda e vagarosa tudo o que se apresenta, começando por nossos desejos e idéias, pois, como se sabe, a superficialidade promovida pela velocidade extrema é exatamente pilar da cultura tecno-lógica. E acabamos sendo pensados e sendo sentidos pelo discurso que nos atravessa e que, pelo hábito e pela "objetividade apressada" em obter resultados com nossas atividades, terminamos tragicamente acreditando ser nosso.

Neste sentido, em relação a Gandhi, por exemplo, sugiro para os que querem superar o jugo do Império Americano ("o estado de espírito bárbaro está em cada um de nós", citando Maffesoli), a leitura de O caminho é a meta, Gandhi hoje, de Johan Galtung (Editora Palas Athena, 2003). Ele é o pioneiro e renomado cientista social especialista em estudos para a paz e teoria dos conflitos, que atua nas universidades do Havaí, de Witten/Herdecke, de Tromsoe e na Universidade Européia da Paz, e fundador da Transcend (transcend.org), e que já trabalhava pela paz na década de 70.

O que Gandhi fez, em essência, foi constituir uma moral pelo exemplo, aplicando à sua própria vida as reformas que pregou e conclamando os cidadãos a demonstrarem a capacidade política de se governarem, através do exercício diário do auto-domínio, estimulando o outro, através do exemplo, a modificar o seu comportamento: lutando, portanto, primeiro contra si próprio para dominar-se em relação à série infantil eu-quero-porque-quero (a lógica da sociedade de consumo) e dessa forma ganhar ascendência sobre si, a maneira, aí sim, mais eficaz de nos livrarmos da obsessão do poder.


Wednesday 18 August, 2004

Como o ser humano abandonou a Mãe Natureza e porque ele se vê obrigado a retornar ao lugar de onde nunca saiu: A Unidade Sagrada*

Artigo de Evandro Vieira Ouriques, Dr.

[Este artigo foi escrito a partir de seu livro (dirigido ao público de diálogo inter-religioso leigo em assuntos acadêmicos),
Yoga, Tradição e Ciência: um encontro revelador para os dias de hoje, publicado pelo NETCCON.ECO.UFRJ em 2001]

Precisamos compreender que a origem de toda a crise humana é apenas uma: o abandono da Mãe Natureza, por volta de 4000 a 3500 a. C.. Naquele momento, a sociedade humana teve a pacífica maneira matrifocal na qual vivia destruída por hordas bárbaras de invasores que adoravam deuses guerreiros. Eles destronaram as antigas deusas, rebaixando-as a esposas, filhas e consortes e implantaram, assim, uma nova concepção de mundo dominada pelos homens.

Este é origem da crise: o desprezo pelo Princípio Feminino. O abandono do equilíbrio entre Shiva e Shakti; entre Pai e Mãe; entre Céu e Terra; entre Yin e Yang; entre Princípio Feminino e Princípio Masculino. É por isto que a superação da dor da Humanidade depende de nosso empenho em recuperarmos esta Unidade Sagrada, da qual a unidade espiritual das religiões é espelho.

É disto que vozes minoritárias sempre falaram no Ocidente, ecoando suas próprias tradições espirituais. Mas apenas com a instalação da crise, a partir do final do século XIX, estas vozes passaram a ser mais e mais ouvidas, ecoando também, então, as tradições espirituais do Oriente. Hoje chegamos ao limite. Dez anos após a ECO-92 estamos construíndo a ECO-Espiritual que é a Assembléia Global da URI e a Aldeia Sagrada, pois para resolver a crise ecológica, em verdade, precisamos resolver a verdadeira questão que é o resgaste da Unidade.

Não é à toa que todas as avaliações feitas dos compromissos firmados na ECO-92 em relação ao desenvolvimento auto-sustentável são muito pouco animadores (1). A consciência ainda deficiente do ser humano insiste na destruição. Se abandonamos nossa Mãe como não brigarmos -até a morte- com nossos irmãos?

Para que este quadro seja revertido precisamos mais do que ouvir, no sentido estrito, a Unidade Sagrada, da qual fala de forma privilegiada, por exemplo, a Voz Indígena (2). Precisamos por a Unidade Sagrada imediatamente em prática. Vigiar, de verdade, todo o nosso comportamento para que a nossa ação possa ser testemunha viva Dela. É disto que precisamos para revelar a Paz no mundo.

A ciência mostra exatamente quando o patriarcado e a dominação masculina substituíram a ordem social mais antiga e mais harmoniosa (3). Muito mais do que mulheres em cargos de autoridade, o matriarcado significava ter o centro ético da organização psicológica e social fundado em valores culturais muito diferentes. Enquanto o patriarcado vive da imposição da lei, de uma ordem que se quer impor de for a para dentro, o matriarcado estabelece costumes, hábitos que vêm de dentro dos indíviduos para fora. Ou sejam, auto-organizatórios, porque lembram da Origem. Enquanto o patriarcado estabelece o poder militar, o matriarcado estabelece a autoridade espiritual, a autoridade ética. Enquanto o patriarcado encoraja o valor, a força e a perícia do guerreiro individual (endeusando a vitória e desprezando a derrota), a estrutura matriarcal estimula a coesão do coletivo. Valoriza não o heroísmo egóico mas a grandeza.

Realização Divina na Terra, Divina Terra

No matriarcado, a natureza e a fertilidade eram o coracão, a alma da existência. Toda a vida humana era impregnada por este diapasão. A dimensão sexual, por exemplo, era vivenciada como poder regenerativo, dádiva ou bênção do divino. A natureza sexual era inseparável da atitude espiritual. O ato sexual era oferecido à deusa, reverenciada pelo amor e pela paixão. Tratava-se de ato honroso e respeitoso, que agradava tanto à dimensão divina quanto a dimensão mortal, como vivência coesa e indistinta entre espírito e matéria. Realização divina na Terra. Tratava-se, assim, sem dúvida, de uma sociedade fundada na inseparabilidade. Na união inclusiva dos opostos complementares. E não na diáspora trágica em que vivemos hoje, em que exponenciamos sermos os perseguidores de nós mesmos, numa roda-de-fogo torturante e destrutiva.

Quando a Mãe Natureza começou a ser tratada como inimiga, separada de Mim, tratada como o Outro e não mais como o Mesmo, como ela e não mais como eu mesmo, iniciou-se a operação de esquecimento do Ser, assumindo-se a opção de que o ser humano é algo diferente dela. Algo que não pertence a ela, e que destina-se a dominá-la, subjugá-la, utilizá-la para seus próprios (do ego) interesses.

Constrói-se assim uma cultura auto-referenciada, antropocêntrica, fálica e consequentemente bélica, centrada na dominação e no uso exploratório de tudo aquilo que é nutriz, delicado, sensível, misterioso, incontrolável. É por isto que sexo só pode ser pornográfico e dinheiro só pode ser obtido por meios escusos. Todo o caráter prazeiroso e próspero da Mãe Terra, que a tudo criou, perdeu-se

Separado, em sua fantasia, de sua Mãe, o ser humano optou por uma espécie de jardim de infância retrógado, no qual mantém-se, inapropriadamente, na inconsciência da realidade de sua própria existência. Temos então esta situação paradoxal: o ser humano rejeita sua essência, rejeita Brahman, rejeita todos os nomes do Inominável, rejeita a Consciência Cósmica; e como não pode fazer isto de fato, mas apenas de maneira fantasiosa, continua a necessitar dela como necessita do ar. É daí que nasce, por exemplo, a situação patética dos engarrafamentos nas vias de saída de todas as cidades do mundo às vésperas de feriados e finais de semana. Trata-se da nostalgia dramática em relação à natureza. Da mesma forma que a obsessão sexual, quando o corpo do outro é a única presença da Natureza em meio ao estéril ambiente construído apenas com a razão.

A Fantasia da Separatividade

Como mostra Pierre Weil, "toda a história da humanidade posterior a esta queda na fantasia da separatividade, consiste em uma luta silenciosa entre duas forças: as do desejo ligado a este fantasma que leva à Neurose do Paraíso Perdido e a da nostalgia inconsciente do estado de Sabedoria primordial da Consciência Cósmica não-dual. Todos os esforços dos grandes mestres de Israel e da Humanidade, de Moisés a Cristo, passando por Salomão, os Profetas, os Essênios, e os Terapeutas descritos por Philon de Alexandria, dos Rishis do Ganges aos Budas do Tibet, das Escolas da Tradição a Krishnamurti, Sri Aurobindo, Teilhard de Chardin, René Guénon, Gurdjieff, entre outros, assim como a psicoterapia em suas linhas mais avançadas como as de Jung, Maslow e Assagioli, destinam-se a restabelecer no homem a vivência da inseparabilidade da Consciência Cósmica" (4).

Prosseguindo com Weil, "Freud, ao mostrar a existência de um inconsciente, no qual se encontram reprimidas certas pulsões instintivas fundamentais, abriu a porta para uma melhor compreensão daquilo que foi reprimido na história da humanidade. Como ele próprio diz "...a gênese das neuroses nos aparece sob a seguinte fórmula simples: o "ego" tentou abafar certas partes do "id" de uma maneira imprópria, ele malogrou e o "id" se vinga (...) sob a forma da reação patológica; é exatamente isso que Maslow nos demonstra. Neste caso, a fonte do maior sofrimento da humanidade é a repressão de tudo aquilo que estes valores intrínsecos representam: a Árvore da Vida..." (5), ou seja, a sabedoria primordial.

É o mesmo que nos diz a terceira carta do tarô, a Terceira Estação: A Imperatriz. Nas palavras de Rita Lee: "Estou no colo da Mãe Natureza. Ela toma conta da minha cabeça". É a perda deste comando que fez o mundo perder a cabeça. Nesta carta encontramos Deméter, a deusa grega da terra cultivada, em seu florido jardim, que sucedeu à deusa primordial Gaia, a Mãe Terra, uma vez que com a agricultura -o jardim florido- a Mãe Natureza começou a ter o seu papel reduzido, até ocupar apenas o lugar de matéria prima, recursos a serem utilizados para o objetivo da obtenção de lucro a qualquer custo. Segundo a cosmogonia grega, Gaia, a Terra, através de geração espontânea, dá à luz a Urano, o Céu, que é seu filho e seu amante. Das montanhas, olhando fixamente para baixo, para ela, ele fez cair a chuva fértil sobre as secretas fendas de sua mãe -sagrada eroticidade- e ela produziu grama, flores e árvores, e criou os pássaros e as feras.

Rejeitando a Mãe

As evidências recentes da arqueologia, em especial as descobertas na Europa meridional e na Turquia, comprovam que a humanidade viveu durante milhares de anos em um estado de absoluta integração com a natureza, de onde extraía o seu alimento e proteção (6). Esses primeiros habitantes do nosso planeta viviam de acordo com as leis e os ritmos da natureza e reverenciavam essa força maior através do culto à deusa Mãe. Eram as sociedades matriarcais, estruturadas em um modelo econômico de propriedade solidária das riquezas produtivas e divisão igualitária dos bens de consumo. O trabalho era para o grupo -enquanto máxima expressão do indivíduo- uma vez que o que você faz não é para você mas para os outros, para o coletivo. Karma Yoga. Nelas, os mais velhos eram respeitados exatamente por serem os depositários, os livros-vivos nos quais estava gravada a Tradição: a experienciação da vida.

Não existiam a propriedade privada, nem a neurose do ter substituindo o ser, como Erich Fromm já alertava há décadas e décadas atrás; nem as guerras de conquista, nem a dominação do homem pelo homem -aquisições culturais mais recentes da nossa história. Essas primeiras sociedades agrícolas viviam em colônias confortáveis e usualmente não-fortificadas. Produziam uma cerâmica muito elaborada. Elas eram basicamente pacíficas e não existia qualquer sistema de estratificação social.

O homem vivia em uma relação de parceria e cooperação com a mulher. As mulheres geralmente permaneciam nas aldeias recolhendo frutos e grãos e cuidando das crianças da tribo, enquanto os homens saíam em bando para caçar. Com o passar do tempo, as mulheres começaram a perceber que as sementes que caíam próximo às suas habitações faziam surgir novos pés de frutos. Estava descoberto o cultivo da agricultura, que, segundo a mitologia grega, foi revelada à mulher pela deusa do trigo, Deméter, sabemos, a Imperatriz.

As tribos de então eram predominantemente nômades e tornaram-se, por volta de 9000 a.C, sedentárias passando a ter seu sustento através da colheita agrícola. Nesses tempos eram realizados intensos e complexos rituais religiosos para garantir a fertilidade da mulher e da terra, intimamente correlacionadas.

Esses rituais geralmente aconteciam na lua cheia -apenas uma das quatro fases cíclicas da lua, como a menstruação; ao contrário da fixidez do sol, masculino, sempre cheio. É importante sublinhar, e a medicina ayurvédica tem isso como central, que se o Sol é mais constante, atravessando um ciclo de energia a cada 365 1/4 dias, e nunca estando ausente durante o dia, a Lua às vezes está cheia e brilhante e em certos momentos completamente ausente. É ela quem governa, isto a ciência reconhece há muito tempo, as marés dos oceanos, e governa também os oceanos cósmicos, estes oceanos que são as águas da existência na tradição hindu.

O Feminino Come o Masculino

É muitíssimo importante ressaltar o princípio, registrado por Joseph Campbell, "que ela (a Lua) engole o Sol no Oeste e volta a dar-lhe nascimento no Leste. E o sol atravessa o seu corpo durante a noite" (7). A metáfora tântrica é muito clara. No amor físico transcendental entre o princípio masculino e o princípio feminino é o feminino que engole, que é ativo. Como no amor tântrico, em que a mulher fica por cima, come o masculino -ao contrário da idéia comum do homem "comer" a mulher. O Sol, masculino só renasce após percorrer, por dentro, durante toda a noite, o corpo feminino. O masculino é engolido pelo que não controla, e renasce exatamente por se deixar ser engolido. Renasce por não temer o insondável. Não temer a morte.

Olhe agora as pontas de seus dedos. Veja suas impressões digitais. Não existem outras iguais em todo o mundo. De onde vêm estas perfeitas espirais, presentes nas pontas de nossos dedos, presentes nas intocáveis galáxias de incalculável grandeza? Mistério. Como a espiral do DNA. Como a espiral de Kundaliní subindo por Sushuma, unindo as polaridades de Ida e Pingala. Como a da consciência em êxtase xamânico; em estado não-comum de consciência. Diga para você mesmo, sinceramente: "el camino no se hace al caminar"? Você sabia ontem o que você seria hoje? Não é uma surpresa para nós mesmos o que somos? Não foi assim que Indiana Jones, pressionado pelo fato de seu pai estar à morte, ao pisar no abismo viu surgir sob os seus pés a ponte que até então era invisível?

Nos rituais da lua cheia -até hoje os ciganos fazem isto, como a comunidade religiosa Trybo Cósmica o faz há 23 anos ininterruptos no Rio de Janeiro sob a proteção de Seu Tranca Rua - as mulheres gozavam do status de pontífices espirituais do poder doador e mantenedor da vida da grande Deusa Mãe, pois dramatizavam concretamente em seus próprios corpos os mistérios da natureza: gestação e geração.

É importante lembrar que os homens de então não tinham consciência de seu papel biológico no processo de concepção, e atribuíam a procriação aos ciclos rítmicos da natureza refletidos nas fases da lua.

Dentro de um processo complexo, diversas variáveis atuaram no sentido da subjugação do princípio feminino e consequentemente das mulheres: o acúmulo da produção agrícola excedente permitiu que alguns grupos tornassem-se mais poderosos econômica e politicamente do que outros; o processo de fixação do homem à terra facilitou a gradativa percepção do seu papel no processo da procriação, o que gerou a reivindicação do direito de saber quem eram os "seus" filhos legítimos, a quem deixariam a sua herança material e espiritual, até então transmitida pela via matriarcal; e o hábito do pastoreio permitiu lidar com o sangue, abrindo caminho para a guerra.

A mulher, e claro, a Mãe Natureza, passou assim a ser propriedade do homem. Lembre dos bárbaros, tomando tudo e todos, a qualquer custo, para si. Sem qualquer critério. Apenas o da vontade de tomar para o próprio ego. Este é o clima. É a Queda, a Expulsão do Paraíso, o fim da Idade de Ouro. Os grupos econômicos mais poderosos, militarmente equipados, dedicados a expandir seus domínios sobre todos os que podem, anexam as suas terras e propriedades, escravizam seus habitantes.

Isto está cientificamente comprovado, tendo ocorrido tanto na Europa como no Oriente Próximo e na Índia, onde as antigas sociedades agrícolas passaram a ser dominadas por cidades-estado e por impérios guerreiros. Violentos deuses celestes tornaram-se predominantes como vingativos emissários de trovões, inundações, secas e inanições. Qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência...: 1. a revista Veja já teve como manchete de capa "A Vingança da Natureza", atribuindo à Mãe Terra uma característica que é potencialmente do humano; 2. e filme Pearl Harbor reforça os papéis da mulher como uma idiota ou uma desesperada por homem e o do homem como um débil que coloca todos os seus sonhos a serviço da máquina de guerra sem fazer uma pergunta que seja.

É muito importante compreender a dificuldade do ser humano em lidar com a ambiguidade da Mãe Natureza, pois ela é, ao mesmo tempo, bela, fértil, amorosa, nutriz, benevolente, generosa, mas é também selvagem, destrutiva, desordenada, caótica e mortal. Isto faz com o que o ser humano pareça estar ainda em sua juventude -parágrafos atrás falava de jardim de infância- magoado com o que considera a traição que sua Mãe lhe fez ao lhe dizer o não dos limites. A Mãe enquanto Hécate, Nêmesis e Kali (10) ainda não foi bem compreendida pelo ser humano, a não ser na essência das tradições espirituais e na ciência de ponta contemporânea. O Sol ser engolido pela Lua inconstante e só então poder renascer -o mistério da entrega à Mãe Divina- ainda é muito difícil para o homem. É compreensível.

A Profanação do Mundo

A subjugação da Natureza é a face da externa do esforço interno de esquecer o Ser, deslocando o eixo de unificação psicológica para o ego. Para justificar isto, o aspecto feminino da divindade é relegado a uma posição inferior nas religiões. Nas histórias babilônicas sobre a criação, a deusa primordial Tiamat era o vazio sem forma, o útero negro e profundo de onde nasceu o universo; por si mesma, ela deu nascimento ao mundo. O deus Marduk foi, originalmente, seu filho. Mas depois tornou-se o deus criador, matando Tiamat, que passara a ser representada como o dragão (vejam bem) do caos. Marduk esmagou-lhe o crânio (a inteligência do feminino), dividiu seu corpo como se fosse uma ostra, e os ventos, a ele obedientes, varreram-lhe o sangue. Mas só dividindo-a em duas que ele conseguiu criar o firmamento do céu e o alicerce da terra (11).

Esta mesma dependência em relação aquela que se quer subjugada está na tradição cristã, quando o Gênesis mostra que Deus, como Marduk, precisou da mãe primordial para dividí-la e criar o cosmos, separando a luz das trevas, o dia da noite, as águas superiores das inferiores, os céus da terra e a terra seca dos mares. E mesmo quando Ele se voltou para a criação das plantas, dos animais terrestres e das águas, criaturas do mar e pássaros, ele precisou dela que então, por sua ordem, os criou.

A criação é, assim, no panteão masculino, uma atividade semelhante a da comunicação moderna, quando não temos contato direto com a realidade, que nos chega mediada pelos meios de comunicação, especialmente hoje, com as novas tecnologias da informação. Em terminologia teológica, este não é um modo direto, mas "mediato" de criação.

A Mãe Terra foi assim mortalmente atacada, tendo os seus símbolos -a mulher também- satanizados, encarnação do mal. As feiticeiras que o digam. Natureza e espiritualidade foram cindidos de forma abissal, primeiro pelas religiões patriarcais, e por fim pela última destas religiões, a ciência tecnomecanicista.

A reforma protestante no século XVI, com a supressão do culto à Virgem e a dessacralização do mundo natural foi decisiva neste processo. O homem passou ali a ser o único ser racional consciente em um mundo inanimado, a fonte de todas as deusas e deuses. O humanismo tornava-se uma religião. A negação do sagrado acabou por voltar-se contra o próprio homem. Porque apenas ele seria sagrado? Ele é apenas uma espécie a mais. A pretensa sacralidade da tecnologia arraigou-se na revolução científica do século XVII, germinada do fermento da Renascença e da Reforma: foi a destruição das restrições tradicionais ao conhecimento e o poder humanos. Ao saquear, violar, massacrar, infectar, escravizar, desalojar e destruir cultural e espiritualmente as populações do hoje México, Cortez, em carta ao rei da Espanha, que o pagou para esta missão, disse que seus companheiros não "estavam muito contentes com [as novas regras impostas pela Espanha] em particular com aquelas que os obrigavam criar raízes na terra; pois todos eles, ou a maioria deles, pretendiam lidar com essas terras como tinham feito com as primeiras ilhas que povoaram, a saber, exaurí-las, destruí-las e depois abandoná-las". Qualquer semelhança com o que se faz com as mulheres...

A Ganância Material

No século XVII a natureza morreu culturalmente tornando-se nada mais do que matéria inanimada em movimento: um sistema mecânico e controlado de maneira sempre igual, vale dizer sem surpresas, não mais pela Mãe, mas pelo Pai, Deus, agora no papel de engenheiro todo-poderoso. Como a natureza "funcionava" mecanicamente, aos poucos a própria figura de Deus se tornou desnecessária para a natureza, e no final do século XVIII ele desapareceu da visão científica do mundo, abrindo caminho à aceleração do ateísmo, que se desenvolvia aceleradamente.

Foi através destas operações paulatinas no campo simbólico que Mammon, o demônio da ganância comercial no Novo Testamento, passou a dominar o mundo que estava, então, profanado. É uma corrida movida pela força. Recordo-me que nos anos 70, no Rio de Janeiro, o famoso homeopata Dr. Bello distribuia um cartão em formato de coração, bordas e letras em vermelho dizendo: "Tudo é força mas só Deus é poder". Levei anos para compreender isto. É compreensível a confusão entre força e poder...

A revolução científica do século XVII ocorreu em um clima de pensamento permeado pela alquimia, pela magia, pelo misticismo e por um medo muito difundido da feitiçaria. A partir do século XVI ocorreu um crescente interesse por poderes mágicos, inclusive com a revitalização da tradição hermética. A célebre figura literária do Doutor Fausto resume esta busca pelo poder mágico e a venda da alma ao diabo em troca do poder. Fausto antecipou o nascimento da ciência mecanicista em quase um século, ao ser mago e incorporar ao mesmo tempo o desejo de possuir conhecimentos e poderes ilimitados. Ele foi tema de dezenas de peças literárias entre dramaturgia teatral, poemas, romances, etc., nos quais a crítica a este desejo estava presente refletindo a instabilidade da consciência humana naquela época, ainda com uma certa dimensão do sagrado preservada, e atravessou séculos, sendo que no século XIX ele já não era mais condenado por este desejo. Ao contrário o desejo pelo poder passou a ser considerado como bom, e não mau.

Fausto, Frankenstein, Bacon e o Desejo do Desejo

O Fausto em Goethe (1808) é isso: quando esgotado o prazo do contrato com o diabo, Fausto não seria enviado ao inferno conforme o contrato desde que ele não se cansasse jamais de sua busca sem fim pelo poder. A condição para não ir para o inferno é que ele jamais deixasse de permanecer insatisfeito. Exatamente o desejo do desejo.

Na mesma linha de Fausto está o personagem Dr. Frankenstein, que também é impelido pelo desejo de possuir o poder divino, aliás, como os atuais biogeneticistas, e por isto é destruído. Como Frankenstein, criamos muitos monstros que estão para nos destruir. O mais terrível artefato tecnológico humano, a bomba de nitrogênio, que libera energia semelhante a do sol, é detonada usando como espoleta a fissão de um dos átomos mais pesados, o plutônio, assim chamado em homenagem ao deus do mundo subterrâneo, ou seja, o deus dos infernos. A bomba de nitrogênio, Sheldrake ressalta também isto muito bem, é um dispositivo de transmutação digno de seus ancestrais alquímicos, baseado no casamento entre o sol (nitrogênio) e a terra (plutônio).

Neste processo de incorporação do conceito de que a natureza não é viva, é muito importante o papel desempenhado por Francis Bacon, no início do século XVII, que foi advogado por instrução e profissão, o que o capacitou a ser Lord Chancellor -quem preside a Câmara dos Lordes- a maior autoridade da Inglaterra. Bacon estava consciente das proibições existentes em sua época em relação à ambição desmedida e ao medo, culpa e sentido de mal tradicionalmente associados a este desejo de poder ilimitado sobre o universo. Foi exatamente ele quem desatanizou esta atitude. Fez isto através de um argumento simples: o domínio sobre a natureza estava garantido na Bíblia, quando Deus deu a Adão o poder de nomear as criaturas, o que foi feito antes do nascimento de Eva. Assim Bacon fez parecer que o domínio tecnológico da natureza era apenas a recuperação de um poder já dado por Deus e não algo novo, produto da ciência.

Ao mesmo tempo, Bacon elaborou o argumento -Sheldrake chega a sugerir que talvez ele tenha feito isto apenas como um sagaz argumento de advogado- de que o conhecimento inocente da natureza -a atividade da ciência, que assim estaria além do bem e do mal- nada tem a ver com o conhecimento moral da vida, que é assunto para, nas palavras de Bacon, ser "exercido pela sadia razão e pela verdadeira religião". Para ele a ciência era "masculina por nascimento" e dela emergeria "uma raça abençoada de heróis e superhomens" (12). Este foi o ideal nazista e hoje é o ideal apregoado, paradoxalmente sem qualquer censura -ao mesmo tempo que só o nazismo continua a ser denunciado e perseguido- pela já citada bioengenharia.

Entre os membros da Royal Society inglesa, a nata científica de então, Robert Boyle censurou severamente "a veneração que os homens habitualmente têm em relação aquilo que chamam de natureza", pois isto "obstruiu e limitou o império do homem sobre as criaturas inferiores". Ele propôs que "em vez de se usar a palavra natureza, que se tomava por uma deusa ou por uma espécie de semidivindade, nós a rejeitássemos de todo" .

É Sheldrake que esclarece: "Em retrospecto, podemos ver que ele [Bacon] estava errado. Pense, por exemplo, na atual devastação da floresta amazônica, que se tornou possível graças à tecnologia e à fé baconiana no direito do homem dominar a natureza. Uma sadia razão e uma verdadeira religião não estão hoje em evidência em lugar algum, e nada poderia hoje estar mais distante de nós do que o inocente exercício do direito, concedido ao homem por deus, de dar nomes às criaturas. Espécies incontáveis dessas criaturas estão sendo exterminadas, espécies que não chegam sequer a receber um nome, e que desaparecem desconhecidas."

Não é à toa que Bacon, em seu livro New Atlantis, de 1624, descreveu uma utopia tecnocrata na qual um sacerdócio científico tomava decisões para o bem do estado como um todo, e também decidia quais segredos da natureza deveriam permanecer secretos. O instituto de pesquisa de Francis Bacon chamava-se nada mais nada menos do que Casa de Salomão. Uma clara referência ao Selo de Salomão, presente no yantra de Sri Aurobindo -o triângulo para baixo cruzado com o triângulo para cima-, que significa alquimicamente a grande síntese ao nível da alma, pois nele os quatro elementos da natureza são reduzidos por processos anímicos de contração para apenas dois: o fogo (o ascendente) e a água (o descendente). O Selo é a grafia da comunhão e da transmutação dos elementos envolvidos, de maneira que sua água se torna sólida e seu fogo não queima, onde um elemento abraça o outro.

A Grécia Animista, o Homem Verde e o Sol no Centro

É igualmente esclarecedor sabermos que se nas culturas antigas as cosmologias eram admitidas sem discussão, na antiga Grécia, pela primeira vez na Europa, os filósofos elaboraram uma sofisticada concepção da natureza na qual todos complexos aspectos da vida foram minuciosamente discutidos. Nossos antepassados foram os herdeiros desta concepção centrada no animismo. Para eles, a natureza era viva pois apresentava movimento incessante e regular, e por isso inteligente como um animal (palavra que deriva do latim anima, alma) imenso dotado de alma e racionalidade própria. Foi neste terreno sólido que a Idade Média desenvolveu as fantásticas catedrais góticas, nas quais há "colunas e abóbodas que lembram bosques sagrados, onde a vegetação irrompe por toda parte. Diabinhos, gárgulas, demônios, dragões e animais surgem em profusão; acima deles voam anjos. Repetidas vezes, aparece a misteriosa figura do Homem Verde, uma cabeça entrelaçada com vegetação, de cuja boca, às vezes feita de folhas, brotam galhos" .

Prossegue Sheldrake:"A filosofia ortodoxa da natureza, ensinada nas escolas das catedrais e nas universidades, era animista; todas as criaturas vivas tinham alma. A alma não estava dentro do corpo; ao contrário, era o corpo que estava dentro da alma, e esta permeava todas as partes do corpo. (...) O intelecto humano não era separado das almas animal e vegetal; em vez disso, a mente racional estava ligada aos aspectos animal e corporal da mesma alma, que eram geralmente inconscientes. Em outras palavras, a alma humana incluía tanto a vida do corpo, os sentidos, as atividades corpóreas e os instintos animais" .

"A revolução copernicana na astronomia, longe de destruir a antiga idéia de organismo cósmico, foi, na verdade, nela inspirada. Quando Copérnico propôs que o Sol, e não a Terra, era o centro do cosmos, ele assim o fez tanto pelo fato de a ordem geométrica das esferas parecer mais harmoniosa como em sua reverência mística pelo sol: "Quem, no nosso templo mais belo, poderia colocar esta luz num outro lugar, ou num lugar melhor do que aquele a partir do qual ele possa, de imediato, iluminar o mundo? Isso para não falar do fato de que alguns a chamam, adequadamente, de a luz do mundo, ou-tros a chamam de a alma, outros ainda de a governadora" (13).

Copérnico, com o apoio de Kepler, um dos principais astrólogos de sua época, para quem também o Sol estava no centro, abriu o organismo cósmico na medida em que compreendeu que o cosmos não é um lugar fechado ao redor de um centro, mas infinito em todas as direções. Foi esta abertura que permitiu com seu desdobramento a substituição do modelo de cosmos vivo pelo modelo mecanicista, no qual o universo passa a ser visto como uma máquina, desprovido de espontaneidade, liberdade, criatividade, atado indefinidamente às "matemáticas leis de Deus".

A vitória desta visão se consolidou com René Descartes. Na França, em 1619, precisamente em 10 de novembro, ele, cujo nome marcaria o paradigma que está aí até hoje dominando -o paradigma cartesiano-mecanicista- concebeu os alicerces de uma nova ciência, que acreditava -pasmem- ter sido inspirada pela Mãe de Deus, pela qual três anos depois cumpriu a promessa de peregrinar até o santuário de Nossa Senhora de Loreto.

Descartes e a "Eliminação" da Alma

Descartes eliminou as almas da totalidade do mundo natural; toda a natureza passou a ser, no nível desta consciência limitada, inanimada, desprovida de alma, morta em vez de viva como ela é. Não é à toa a crise que vivemos. Mas isto não foi suficiente. A própria alma também foi retirada do corpo humano. Que se transformou então em mais um autômato mecânico, uma máquina como tantas outras. Apenas a alma racional, a mente permaneceu, alojada numa pequena região do cérebro: a glândula pineal. O que é muito interessante, pois desde aquela época até hoje a razão deslocou-se duas polegadas em direção ao córtex cerebral.

A assustadora idéia continua a mesma: para Descartes -e quantas vezes vemos as pessoas e a mídia dizendo a mesma coisa ainda hoje- havia uma espécie de "homenzinho controlador", a alma racional, que de dentro do cérebro controla a maquinária do corpo. E através dele controla todo o mundo. "Adeus" à Mãe Natureza. Ã origem. Não pode haver ataque mais frontal à essência das tradições antigas da humanidade e de todo o corpo de suas medicinas, por exemplo, e às conclusões da ciência de ponta contemporânea, do que este.

A barbaridade foi instalada de tal maneira, sob este signo então "científico" da natureza morta, que os seguidores de Descartes afirmavam enfaticamente que os animais não sentem dor, e que o som de cachorro sendo espancado é tão morto quanto o som que sai de um orgão... Rupert Sheldrake lembra-nos que esta maneira de ver o mundo foi criticada desde que apareceu, como a reação dos vitalistas no século XVII no campo da botânica e da zoologia. Foi a partir da década de 20 deste século que a teoria mecanicista conquistou a sua atual supremacia no ambiente da biologia acadêmica, e hoje os cientistas se julgam mentes desencarnadas, totalmente impessoais, destituídos de emoção: "Ninguém jamais é visto fazendo algo; métodos são seguidos, fenômenos são observados e medições são feitas, de preferência com instrumentos. Tudo é relatado na voz passiva. Até mesmo as crianças aprendem esse estilo e o praticam em seus cadernos de laboratório": um tubo de ensaio foi apanhado..." (14).

No entanto, na vida real, os cientistas vivem em meio à lutas traiçoeiras por verbas, à espionagem industrial, à fraude científica, à manipulação da opinião pública. Este é o caso, por exemplo, da indústria de cigarro. Sempre souberam do câncer da estupidez mas até o fim negaram de pés juntos. Como se sabe, mesmo Isaac Newton sucumbiu ao ego e à disputa por prestígio e propriedade tendo passado anos discutindo com Gottfried Leibniz a respeito de qual dos dois foi o primeiro a inventar o cálculo infinitesimal.

Ignorando tudo que não possa ser quantificado, Descartes forneceu a base filosófica para o ideal de desprendimento científico, ou seja, o desligamento da ciência em relação ao mundo vivo, a tudo que tem sentimento, som, odor, cor, surpresa, sutileza, classificadas como qualidades secundárias, pois "meramente subjetivas", que enquanto parcela da experiência corpórea não existem no mundo matemático objetivo, cognoscível por uma mente desencarnada. Foram os sucessos práticos deste tipo de ciência que lhe deram o prestígio vigente até hoje, pois realmente é uma via parcial de conhecimento (uma via que permite ao ocidental uma experiência parecida, dentro das devidas proporções, ao poderes quase mágicos desenvolvidos pelos yoguis e que os mestres dizem pouco ou nada valer na direção da verdadeira sabedoria). Entendida então como modelo de verdade absoluta, a ciência mecanicista estabeleceu este método, graças à física, como o modelo de desprendimento científico desejado por todas as áreas do saber inte-ressadas na "objetividade". É por isto que a economia consegue ser tão desumana e cruel, por exemplo. E que um sociólogo possa ser uma pessoa completamente desligada e contrária aos verdadeiros anseios e interesses da sociedade. E que um médico deixe a pessoa morrer por ela não ter dinheiro.

Sheldrake cita a exploração do velho Oeste americano como a aplicação exemplar deste modelo. Na década de 1860, com as estradas de ferro, precisou-se de carne e couro e os búfalos começaram a ser abatidos, até mesmo por mero "prazer". Para se ter uma idéia, apenas em dois anos, de 1872 a 1874, foram caçados mais de três milhões de búfalos. Em 1880, ou seja, seis anos após, não existiam mais búfalos, a não ser cerca de mil em reservas no final do século, que no início, pelos próprios cálculos mecanicistas, deveriam ser de trinta a quarenta milhões. Mas os índios não sofreram menos, como sabemos. Os índios das planícies foram os últimos a serem exterminados, sob o comando do general William Tecumseh Sherman, que na mesma década de 1860 traçou o seguinte plano em carta ao irmão: "Quanto mais pudermos matar neste ano, menos terão que ser mortos na próxima guerra, porque quanto mais desses índios eu vejo, mais convencido fico de que todos têm que ser mortos ou mantidos como uma espécie de indigentes. Seus atentados à civilização são simplesmente ridículos".

Agora temos uma visão clara de como a Mãe Natureza foi profanada. Aí está a origem e a história do enraizamento desta concepção de mundo, desta filosofia. Que aparece claramente no discurso da mídia, pois ela trabalha é com a linguagem das tradições, apondo aos produtos e aos serviços que quer vender os valores profundos da vida -da Mãe Natureza- revelados pelas tradições espirituais da humanidade. E confirmados por uma determinada e avançada ciência. Amor, confiança, bem estar, amizade, beleza, cooperação (15)...

Se continuamos a necessitar destes valores universais (16), e por isto profundos, não é melhor que os procuremos na sua verdadeira fonte? É por isto que a Mãe Natureza está de braços abertos. Para nos prover, nos consolar, nos abrigar, nos alimentar, nos fortificar, nos fazer nascer, nos transformar. Este abraço tão total -Unidade Sagrada- do qual sempre lembramos quando abraçamos as pessoas amadas.



Notas

* O uso da expressão Unidade Sagrada é uma referência ao grande Gregory Bateson e seu livro Una Unidad Sagrada, pasos ulteriores hacia una ecología de la mente. Editorial Gedisa, Barcelona, Espanha, 1993. Ele termina esta obra afirmando, -com o qual concordo plenamente e meu trabalho é uma contribuição para esta ecologia da mente- que “la monstruosa patología atomista en el nivel individual, en el nivel de familia, en el nivel nacional y en el nivel internacional –la patologia de las ideas erróneas en la cual vivimos- únicamente puede, en última instancia, corregirse en virtud de un enorme descubrimiento de esas relaciones que en la naturaleza hacen la belleza de la naturaleza” (op.cit., p. 303). Este artigo foi originalmente escrito para a mesa Os Imperativos Ecológicos e a Mobilização da Sociedade, que coordenei dentro do Ciclo Preparatório da Assembléia Global da United Religions Initiative 2002 (www.uri.org/rio2002), da qual fui o consultor de conteúdo e articulação.

(1) Ao avaliar o cumprimento dos compromissos firmados na ECO-92, os grandes fóruns governamentais e não-governamentais Rio+5 e Rio+10 (este último realizou-se em Johanesburgo exatamente a partir do dia seguinte do encerramento da Assembléia Global da URI no Rio de Janeiro em agosto de 202) pouco teve a comemorar.

(2) Ver o artigo A Voz Indígena, que fiz para a mesa-redonda de mesmo nome e publicado no site http://brazil-brasil.com/content/view/127/ e em vários outros.

(3) Recomendo fortemente a leitura de O Renascimento da Natureza -o reflorescimento da ciência e de Deus, de Rupert
Sheldrake, Cultrix, 1997.

(4) Grof, Stanislav. Psicologia do Futuro. Lições das Pesquisas Modernas de Consciência. Heresis, Niterói, 2000. p.29.

(5) Weil, Pierre. A Neurose do Paraíso Perdido. Cepa, Rio de Janeiro, 1987. p.34.
Sheldrake (op.cit.), p.29.

(6) Campbell, Joseph. O Poder do Mito. Palas Athena, SP, 1990. p.177.

(7) De acordo com Gheerbrant&Chevalier (Dictionaire des Symboles, Robert Laffont/Jupiter, Paris,1988), Hécate possui os dois aspectos da Mãe Natureza. Fertilidade, germinação, proteção da navegação e da pesca, prosperidade, eloquência, vitória, purificação; e ao mesmo tempo é a deusa dos espectros e dos terrores noturnos, dos fantasmas e dos monstros aterradores, mestra em feitiçaria. Nêmesis está associada à agricultura e dela depende a fertilidade ou não da Terra e consequentemente a sobrevivência humana. E Kali é a deusa do hinduísmo que destrói as ilusões. Ela dança sobre Shiva, o deus da Consciência, quando ele dorme, ou seja, quando a inconsciência está ativa e do seu corpo surge outro corpo igual, Shava, em sânscrito exatamente inconsciência.

(8) Sheldrake (op.cit.), p.30.

(9) Sheldrake (op.cit.), p.50.

(10) Idem, p.53.

(11) Idem, p.54.

(12) Idem, p.56.

(13) Ib., p.57-58.

(14) Idem, p.63.

(15) Para o melhor entendimento desta questão da ascenção contemporânea da demanda das qualidades da Mãe é absolutamente vital o estudo da obra dos biólogos Maturana e Varela

(16) Ver o Programa de Educação em Valores Universais da Associação Palas Athena, por exemplo através do artigo ROIZMAN, Laura Gorresio. Valores que não têm preço. In OURIQUES, Evandro Vieira (org.). Diálogo entre as Civilizações: a Experiência Brasileira. ONU. 2003. pp 181-189.

Sunday 18 July, 2004

A Voz Indígena

Artigo de Evandro Vieira Ouriques

O II Cumbre Continental de los Pueblos Indígenas de las Américas, em Quito, e a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC, Brasil, pela primeira vez com a participação oficial de povos indígenas, ambos em 2004, nos estimulam a entender -mais do que nunca- que vivemos um momento decisivo para a questão indígena em todo o mundo.

Com o aprofundamento brutal da crise gerada pelo materialismo, e a consequente re-valorização dos sistemas de entendimento e de ação concreta fundados no amor e no brincar , no diálogo, na cooperação e no respeito à ancestralidade cultural e biológica , a situação sócio-histórica indígena e a contribuição de sua cultura para a Humanidade passam a ocupar um lugar determinante.

Determinante porque escutar a voz indígena -que clama em todo o mundo por respeito, de maneira dramática- é escutar a voz indígena que está dentro de cada um de nós mesmos. Esta voz que nos fala do fundo de nossa consciência. Do fundo de nossa mente e de nosso coração, a respeito de nossa origem. Que nos identifica como uma só família -irmãos e irmãs. Partes da Totalidade. De uma totalidade sem totalitarismos. Totalidade aberta, livre e surpreendente.

Hoje esta consciência está quase esquecida, pois é uma outra lógica de "irmandade", a Big Brother, que articula apenas interesses egóicos de pessoas, comunidades, nações e corporações na atual e excludente globalização financeira neo-liberal. Todos (des)afinados na unidimensionalidade do desespero e da ignorância do individualismo competitivo e destrutivo. Motivados pela vã esperança e pela ardilosa ilusão do poder.

É muito importante perceber que a consciência de sermos uma só família, unos na totalidade das múltiplas manifestações, não é um pensamento. Não é uma idéia. Não é uma produção do raciocínio, no sentido de um monarca que governa sozinho, como a razão patriarcal e cartesiana faz na maneira ocidental de viver. Mas a consciência é o resultado da vivência profunda, em todas as dimensões, da experiência de se estar vivo. No mínimo o resultado da experiência real de se ter corpo, emoção, mente e espírito. É somente esta vivência multidimensional que nos permite descobrir a unidade da diversidade. Descobrir e agir com a consciência de que fazemos parte do Todo. Como nos ensina a voz indígena, o Planeta não nos pertence. Fazemos parte dele. E, isto, muda tudo.

A conexão com a origem permite superar os conflitos, sejam eles na psiquê, então para além da mera procura da satisfação dos desejos mesmo quando eles, manifestação do ego, desvinculam o social; no inter-relacionamento pessoal, com o retorno da existência de fato do outro, que deixa assim de ser apenas o alvo de nossa manipulação; na economia, que passa a ser solidária; na política, que ressuscita como o lugar da construção da democracia verdadeira; na sexualidade, que re-ganha o sentido sagrado, realização divina na Terra; no diálogo inter e intra-religioso, que mostra finalmente que todas as religiões são sempre interpretações culturais de uma realidade espiritual/carnal última que ultrapassa os egos dos religiosos e todos os nomes e todas as exclusividades de salvação.

Seja em Chiapas, no México, seja na dimensão escalatória do aterrador conflito do Oriente Médio, ou nas mais de 80 guerras em anadamento em todo o mundo, só há uma saída, por mais que nossa soberba queira complicar e recusar a existência de uma causa primeira e última para a crise: lembrarmo-nos, na ação, de nossa origem comum, que nos define como parte da totalidade, ela que é capaz de qualificar eticamente cada uma de nossas decisões de maneira a que elas produzam a coesão que falta nos dias de hoje, quando a voz indígena procura se fazer ouvir.

Escutemos esta voz, pois ela é a nossa própria voz. Dentro de cada um de nós, gravado em cada uma de nossas células e na raiz de todas as nossas civilizações fala a consciência indígena a respeito de sermos filhos de uma mesma Mãe . Pois, em verdade, quando, em ato de fé e de pura lógica, mergulhamos no encontro do que leva os vários nomes de Deus e da Deusa, do Silêncio, da Mutação e da Energia Universal, re-encontramos necessariamente nossos irmãos e irmãs indígenas em sua consciência de que a Natureza é viva . De que nossa Mãe primeira é a Terra. De que o princípio feminino tem importância decisiva, e é a partir dele que foram construídas as concepções cósmicas que estão no âmago original de todas as tradições espirituais antigas da Humanidade. Este âmago é a Mãe Universal, da qual toda mulher é uma manifestação terrena, uma manifestação do aspecto gerador e sedutor do sagrado mistério que sustenta e, continuamente, cria o mundo. Big-Bang que seja.

Desde as mais elaboradas cosmovisões as mais modestas práticas telúricas, já no neolítico e mesmo no paleolítico , encontramos sempre a mesma intuição central em relação à Mãe, que se repete como tema condutor: ela é a matriz. Ela é. A "Senhora do Lugar". Fonte de todas as formas vivas, de guardiã das crianças e matriz para a qual vão os mortos para que nela repousem, se regenerem e renasçam, de alguma forma, graças ao seu caráter santo .

"Devo pegar uma faca e rasgar o seio de minha mãe?", disse no final do século XIX um chefe da tribo Wanapum, em território hoje norte-americano, diante da pressão de uma cultura masculinamente dominante para que cultivasse e buscasse minerais no corpo de sua Mãe. "Então," prosseguiu ele, "quando eu morrer, ela não me tomará em seu seio para que eu repouse. Você me pede para escavar o chão procurando pedra! Posso escavar sob a sua pele à procura de seus ossos? Então, quando eu morrer, não poderei entrar em seu corpo para renascer. Você me pede para cortar grama e fazer feno e vendê-lo, e ficar rico como os homens brancos! Mas como eu ousaria cortar os cabelos de minha mãe?"

É por isto que constatamos em todo o mundo um grande crescimento da organização das culturas indígenas. A crise que vivemos é claramente o resultado da perda do sentido do Sagrado por nossa cultura, que tem como fundamento básico o esquecimento do esquecimento do Ser . Esquecendo o Ser esquece-se a voz indígena, pois é ela a primeira na Humanidade que fala da harmonização com ele: a Origem das Origens. Não é à toa que nossa civilização percebe a Natureza como morta, como uma mera fonte de recursos econômicos, bem como a seus filhos igualmente mortos, não mais sujeitos mas objetos, como tudo o mais, mal respirando, apenas consumidores e não mais vivos, na qualidade de pessoas.

Este quadro é que faz com que haja uma reação a esta obscuridade tremenda, e todos os sistemas de entendimento que percebem a natureza como viva passam hoje, necessariamente e cada vez mais, por um grande ressurgimento. Da atual sociedade drogada, adita do desejo do desejo, para a sociedade sagrada. Este é o caso destacado das tradições indígenas, pois elas "são a memória viva do tempo em que o ser caminhava com a floresta, os rios, as estrelas, e as montanhas no coração e exercia o fluir de si", como diz Kaká Werá Jecupé, o tapuia nascido em São Paulo e que criou o Instituto Arapoty.


São Trezentos Milhões Falando

O momento é tão especial para a voz indígena, sob as mais variadas maneiras, que até mesmo os setores dominantes da sociedade a procuram ouvir. Ou pelo menos deixar que a ouçam um pouco. Este é o caso da canonização de Juan Diego em 30 de julho de 2002. Pela primeira vez na história das Américas um indígena foi canonizado. O beato Juan Diego, um índio mexicano de origem chichimeca, cujo nome indígena original era Cuauhtloatzin, a quem o Vaticano reconhece que Nossa Senhora de Guadalupe apareceu várias vezes, teve sua santidade reconhecida em cerimônia celebrada pelo próprio Papa no México. Isto certamente é mais uma sincronicidade na direção do respeito à voz indígena dentro da tradição cristã. Ainda mais quando se sabe que a Virgem de Guadalupe é exatamente a Santa Padroeira das Américas, continente no qual foram lamentavelmente executados milhões e milhões de indígenas.

É este mesmo México que apresenta ao mundo a luta extraordinária da Frente Zapatista de Libertação , que quer que o governo reconheça os direitos dos povos indígenas daquele país. Vale lembrar que somente em se tratando dos astecas, que à época da chegada de Hernán Cortez eram uma civilização altamente sofisticada com 25 milhões de pessoas, o massacre resultou em 24 milhões de pessoas assassinadas em menos de um século.

Temos que ter realmente um cuidado muito especial com a questão indígena, pois estamos falando de povos cuja presença em suas terras, na maioria das quais foram expulsos, se remonta a tempos imemoriais. Presentes desde o Círculo Ártico às Américas, África e Ásia, calcula-se que hoje são cerca de 300 milhões de pessoas que vivem em mais de 70 países.

Quase sempre estes povos se encontram entre as populações mais vulneráveis e marginalizadas destes países. Isto se dá exatamente em função de que a civilização dominante se construiu matando dentro de si mesma a voz que fala da origem comum de todos e de tudo, com suas leis de amor, de diálogo e de cooperação. De respeito à Totalidade. É por isto que a exclusão econômica e social relegou os indígenas ao nível mais baixo de todos em termos sanitários, profissionais e sociais e os expôs e expõe a um enorme sofrimento. Se construímos uma civilização que tem como fundamento principal abolir o sentido de cooperação, que é a dinâmica própria da manutenção do sentido da totalidade, da harmonia cooperativa, é claro que são os indígenas que pagam o preço maior: a loucura, o suícidio, a prostituição, o alcoolismo, as doenças, a desagregação pessoal e social.

Sabemos que o tapar ouvidos à voz indígena destrói inclusive a maioria daqueles que ocupam as posições econômicas, políticas e sociais privilegiadas, pois eles são em verdade excluídos de si mesmos, de suas próprias essências, como nos mostram a corrupção, as drogas caríssimas, o crime organizado, o comportamento doentio que enche os consultórios terapêuticos, o dia-a-dia e os noticiários de todo o mundo.

Em verdade se aqueles que estão no poder mundano, e nós mesmos com o nosso poder mundano, fossem(os) conectados com o Sagrado, este que nos fala da origem comum e de suas leis, que nos fala da dimensão espiritual , eles (nós) seri(í)am(os) pessoas benéficas, que saberiam(os) se(nos) conduzir e assim conduzir(mos) seus povos, tais como soberanos (pois cada um de nós é ou poderia ser soberano em sua própria vida) justos e bondosos.

Como se sabe, uma das maneiras mais eficazes de avaliar a justiça e a bondade de um reino, pós-moderno que seja, é fazer o que a sabedoria antiga chinesa nos recomenda no I Ching: percorrer todas as partes do reino para ver como as coisas realmente estão. E percorrer os reinos atuais, aliás o reino economicamente globalizado atual, é constatar a existência de algo profundamente equivocado.

O que se chama de desenvolvimento econômico, movido pela opção unidimensional do poder humano ignorante da existência da Totalidade, envolve e atinge a todos sem levar em conta a especificidade de suas múltiplas histórias, de suas culturas, de suas línguas, de suas tradições, de suas necessidades e prioridades. Corta, sumariamente, todos os seus projetos de vida, vínculos econômicos, culturais e espirituais que são a essência da identidade do humano. Reduz-se tudo e todos ao jugo do lucro e da obtenção de poder. Com isto faz-se qualquer coisa que o ego queira, como se não existisse uma ordem provinda de uma dimensão não-humana, pré-cultural, que a tudo criou, sustenta e transforma. Esta ordem que, sem totalitarismos, dá coesão psíquica e social.

Lamentavelmente esta maneira ignorante de organizar a vida humana é trans-cultural e trans-étnica e vem destruindo as pessoas e os povos em todos os continentes, sejam eles habitados por brancos louros de olhos azuis, quanto negros de pele brilhante, quanto amarelos, mulatos, caboclos e de qualquer outra matiz de pele ou interna. Quanto mais próxima a cultura está consciente da origem comum mais este sistema lhe reserva um lugar de sofrimento. É fácil entender agora porque os indígenas estão na mais baixa escala social. Eles pagam o preço de serem a memória viva da Natureza enquanto viva.


Uma Voz que Cresce

A gravidade é tão extrema que o sistema da ONU, sobretudo nas duas últimas décadas, tem procurado sintonizar-se diretamente com este interesse cada vez maior pela voz indígena. Neste sentido é que tem havido uma presença crescente de representantes indígenas em fóruns internacionais, como no Grupo de Trabalho das Nacões Unidas sobre as Populações Indígenas, orgão da Subcomissão sobre a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos, e naturalmente no Grupo de Trabalho sobre a Declaracão dos Direitos dos Povos Indígenas.

Um dos avanços mais significativos dos últimos tempos em termos internacionais foi a decisão tomada em julho de 2000 em relação à constituição de um Fórum Permanente das Nações Unidas para os Povos Indígenas, como orgão do Conselho Econômico e Social das Nações Unida (no qual no entanto ainda não temos um representante brasileiro) e que vem a ser o mais alto fórum já criado na ONU para cuidar deste assunto.

Os indígenas vêm lutando muito pela inclusão da denominação Povos Indígenas nos documentos oficiais, pela ratificação fundamental do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT, que reconhece seus direitos no campo do Trabalho, pela abertura de espaços de participação em todos os níveis de decisão que lhes atingem, de cotas e inclusão da questão indígena nos Conselhos, nos Ministérios, nos organismos internacionais, pela demarcação e homologação das terras indígenas. Enfim, um sem número de lutas, pois praticamente tudo lhes foi negado uma vez que o paradigma Ocidental, como vimos, construiu-se na exata medida da proporção com a qual matou em si mesma a consciência de fazer parte de um todo, mergulhando na fantasia da separatividade. Esta destrutiva ilusão que os estados diferenciados de consciência , uma tecnologia espiritual tão utilizada nas culturas ancestrais -com ou sem as plantas sagradas (enteógenos)-, ajudam a superar.

Na dimensão brasileira, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB consagrou a Campanha da Fraternidade de 2002 exatamente aos povos indígenas, com o tema "Por uma terra sem males". Mesmo que sejam procedentes críticas a esta Campanha, por seu acento explícito na Catequese, como se pode ver em vídeo preparado pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, e veiculado na Rede Globo, quando os índios que aparecem são convertidos e aparecem todo o tempo em uma missa, sabemos que setores significativos da Igreja Católica são de fato progressistas e efetivamente estão dedicados a que se escute a voz indígena.

Sincronicamente a esta situação, por incrível que pareça, a população indígena no Brasil vem crescendo muito nas últimas duas décadas. Se nos anos 80 tínhamos cerca de 260 mil índios, na virada do milênio eles já eram aproximadamente 350 mil, e hoje a Fundação Nacional do Índio os estima em 540 mil, distribuídos em 206 nações indígenas localizadas em todos os estados da Federação, à exceção apenas do Piauí.

O que chama muita atenção neste quadro demográfico é que para cada cidadão urbano brasileiro que nasce hoje estão nascendo três índios. Isto é impressionante, pois traz, na medida em que assumamos a nossa parcela de responsabilidade no processo, uma enorme contribuição para que o Brasil e a Humanidade re-conecte com a Natureza enquanto viva, pois como diz Ailton Krenak, coordenador do Centro de Pesquisas Indígenas, do povo Krenak de Minas Gerais, "muitas comunidades indígenas, mesmo tendo sofrido enormes mudanças no aspecto mais aparente de sua cultura, especialmente no tocante à "cultura material" (que é representada nos adornos, objetos de uso ritual, ou domésticos)" mantêm "a força mais sutil da alma" e "sua herança mais ancestral permanece. Mesmo que transmutada, (ela) continua alimentando a identidade".


O Resgate do Princípio Feminino

O fundamento organizador básico desta identidade resgatada é a identidade do princípio feminino, como falei no início. Como os indígenas estão na escala mais baixa da sociedade por sua cultura ser estruturada de forma geral sob o princípio feminino, as suas mulheres estão mais abaixo ainda, exatamente por serem a sede direta deste princípio abominado em nossa sociedade. Que mãe deixaria seus filhos morrerem à míngua em nome de ter isto ou aquilo?

A amiga e indígena Eliane Potiguara , que incorpora o feminismo e o socialismo em sua pauta de luta, afirma que "é preciso resgatar as funções que a mulher indígena desempenhava antes do processo colonial, quando era venerada e tinha a última palavra na discussão dos problemas políticos. (…) Aos olhos da sociedade, as mulheres indígenas estão abaixo da última das camadas da sociedade. Indígenas, pobres, discriminadas, excluídas, invisíveis, mão-de-obra escrava em plantios de cana-de-açúcar, algodão e outras culturas.

Quando estão próximas à mineradoras, são objeto sexual de garimpeiros ou mineradores, como relatam muitas histórias que já ouvimos dos ianomâmis, em Roraima. Nas cidades, empurradas por alguma razão social e política de sua nação, tornam-se prostitutas nas grandes cidades, objetos de tráfico internacional de mulheres, empregadas domésticas ou operárias mal remuneradas. Urge um trabalho de conscientização nas aldeias contra a violência doméstica e sexual, contra o estupro, o assédio, o alcoolismo que resultam nas violências interpessoais, nas intrigas, nos distúrbios psicológicos, nos suicídios."

Eliane faz coro com quem acredita que Governo e ONG's devem implantar um programa imediato de defesa dos direitos reprodutivos e de saúde integral. Para ela, isto é urgente "nas nações que mais sofreram os resultados maléficos da neo-colonização, como os povos ressurgidos e os quilombolas", e chega a dizer que "para compreender os negros temos que compreender os índios pois os negros são os índios da África."

E ela está com toda a razão neste ponto. Essas nações têm consciência de sua identidade mas precisam de apoio em todos os sentidos, seja do apoio que vem de dentro delas mesmos, seja do apoio que venha da sociedade nacional e internacional, por exemplo através de uma organização como o Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro/ISER e a United Religions Initiative-URI (www.uri.org).


O Perdão e a Mãe Universal

Quem está atento à questão indígena sabe que o diálogo inter-cultural e inter-religioso com eles enfrenta muitas vezes hoje uma espécie de movimento quase separatista em relação à todas as outras culturas defendido por parte de lideranças das populações originárias. Esta posição é muito presente e obriga uma estratégia especial. Muitos deles expressam constantemente sua revolta, pois existe um ressentimento muito profundo, que é perfeitamente compreensível. Ainda mais quando se leva em conta a enorme e variadíssima contribuição da cultura indígena para a Humanidade.

É muito fácil perceber a importância indígena. Já procurei mostrar aquela que é, para mim a mais importante de todas: ter o princípio da Natureza enquanto viva como o estruturador de suas cosmovisões. Pois é a partir desta conexão com a Mãe Universal que eles, por exemplo, descobriram o algodão, para o qual criaram todas as técnicas de colheita, fiação, tecelagem e tintura mais tarde importadas pelos europeus; foram eles também que descobriram o chocolate; e o milho, que era cultivado nas três américas, com cada povo com seus híbridos favoritos, que atingem dezenas de variedades, formatos, cores, sabores, nutrientes, entre eles o milho azul (hoje, no entanto, o milho é uniformizado pela indústria agro-pecuária no mundo todo); o amendoim também, original da costa brasileira; o tabaco, que os europeus transformaram de um costume medicinal e cerimonial em um vício mortal; a própria batata, que no início foi banida pelo clero pois não era mencionada na Bíblia; o tomate também; a mandioca que, apesar de venenosa em seu estado cru, já era depurada do ácido cianídrico pelos índios; e a seringueira, que deu origem à borracha e dispensa comentários acerca de sua importância.

Quem entre nós não conhece feijão, abóbora, pepino, chuchu, batata-doce, berinjela, alcachofra, pimentas, abacate, abacaxi, caju, mamão, maracujá, banana e cana-de-açúcar, por exemplo? Pois é tudo descoberta indígena. Trabalho indígena. Cultivo indígena. As várias ervas medicinais, para dar mais um exemplo, cujas fórmulas indígenas foram aperfeiçoadas pelo homem branco, compõem mais de três quartos de todas as drogas de origem vegetal conhecidas. Com exceção de algumas rubiáceas [espécies], nos lembra o holoterapeuta e etnobiólogo Rogério Favilla , não há nenhuma espécie utilizada na farmacopéia moderna cujas propriedades já não fossem conhecidas pelos índios. E ainda há muitas outras espécies que são desconhecidas pelo homem civilizado.

É o amigo Favilla quem esclarece: "Aos nativos pré-colombianos devemos, entre inúmeras coisas, a rica herança etnobotânica que revolucionaria a dietária e a farmacopéia comparativamente precária dos europeus colonizadores e de suas matrizes desde época das navegações. Não apenas apresentaram aos pasmos europeus as plantas em si, como o milho, o tomate, a batata, o tabaco, o cacau, a mandioca, o inhame, o feijão, o caju, a batata-doce, o abacate, o pepino, a berinjela, o abacaxi, o palmito, e tantas outras hoje presentes nos pratos de todo o mundo (dos que tem acesso aos alimentos, é claro), mas também ensinaram como cultivá-los e prepará-los adequadamente. Ao contrário dos que pensam serem os nativos criaturas obtusas, a arte do cultivo e melhoria genética através da cuidadosa seleção das linhagens e de técnicas sofisticadas de plantio e adubagem foi plenamente desenvolvida pelos ameríndios."

É muito interessante lembrar que, além disso, temos um exemplo arquetípico da importância indígena. Arquetípico porque diz respeito a sede do Império atual: os Estados Unidos. Quando os colonos patriarcas ingleses desembarcaram do Mayflower lá, tiveram suas vidas salvas pelos nativos, que os ensinaram como caçar o abundante peru, pescar o salmão e as trutas, e a plantar e estocar o milho. Foi esta sabedoria que permitiu que eles sobrevivessem ao primeiro inverno. Até hoje este momento decisivo é anualmente relembrado pelos EUA no importante feriado, e olha que eles são raros, de Thanksgiving Day.

Do alto de toda esta sabedoria a um só tempo humilde e por isto poderosa, os indígenas estão hoje diante do desafio de exercer uma das mais desafiadoras posições do crescimento humano, espiritual: a do perdão, e mais, da pura compaixão. Ao passo que as culturas responsáveis por esta barbaridade precisam compartilhar o mundo servindo o sagrado na voz indígena e os ajudando em tudo, de maneira a que eles, guardiões da Terra-Mãe, possam liberar a nossa re-integração à Mãe Divina.


Construindo uma Cultura de Cura e Paz

Dentro da contribuição indígena para a construção de uma cultura de cura e de paz, as plantas sagradas ocupam um lugar de grande destaque, pois as capacidades medicinais e/ou curativas delas são capazes realmente de promover resultados brilhantes, mesmo em pessoas habitualmente afastadas de sua natureza original e de suas inalienáveis arqui-relações com o reino vegetal.

Esta é uma questão muito importante mesmo, da qual tratarei especificamente em outra oportunidade . No entanto, sublinho que a tradição indígena ensina que a utilização dos processos curativos das plantas deve sempre ser movido pela consciência, no caso pela consciência das leis cósmicas. Isto nos interessa quando queremos escutar a voz indígena, visto que muitas pessoas buscam todo tipo de infusões, poções, elixires, etc., mas não conseguem encontrar a cura, pois não querem reconhecer e corrigir os próprios erros que contribuíram para o surgimento de seus males. Ou seja, modificaram o nível de consciência que têm, e que gera dieta prejudicial, problemas afetivo-emocionais, hábitos errados de higiene, vícios, etc.

Para a voz indígena, como para todas as tradições espirituais antigas da humanidade, a verdadeira cura é um processo totalmente dependente da conduta e do comportamento psíquico do indivíduo, que se não for condizente com a normalidade fluente da natureza só gerará resultados frustrantes, até mesmo com o uso das plantas de poder. Precisamos mudar a nossa compreensão do mundo.

É desta forma que a voz indígena vive um momento decisivo de sua história. Que ela sirva de inspiração a todos os encontros que cada vem mais vêm ocorrendo no mundo a respeito dela. Exatamente porque a Humanidade vive um momento decisivo de sua história. Como Pierre Weil esclareceu, a busca constante de felicidade que caracteriza o ser humano confirma a presença de uma memória enterrada no âmago de sua existência. A memória de um estado de plenitude sem obstáculos e de êxtase permanente. É deste estado que nos fala a Voz Indígena.

……………………..
Este artigo (escrito originalmente em 2002 para o Ciclo Preparatório da United Rligions Initiative Global Assembly, tem 17 notas disponíveis para o interessado) está publicado em vários sites, no Brasil e na América Latina, entre eles:
http://www.rebelion.org/mostrar.php?tipo=1&id=91
http://www.uri.org/rio2002/port/frame_ciclo.htm
http://www.consciencia.net/cidadania/ouriques01.html
http://brazil-brasil.com/content/view/127/

Grande parte dele foi incorporado ao estudo É possível re-aprender a Sabedoria da Mãe, afagar a Terra, transformar a Realidade: o Modelo de Comunicação Cosmodinâmico e Multi-interativo e a questão do Diálogo, com o qual o autor concluiu o citado livro Diálogo entre as Civilizações: a Experiência Brasileira (www.unicrio.org,br, Biblioteca), que organizou e editou a convite da ONU em 2003, com o apoio institucional da UNESCO, da Associação Palas Athena, do Viva Rio e da UFRJ, através do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON/ECO/UFRJ, que criou e dirige na Escola de Comunicação desde 1981.

Friday 18 June, 2004

Trato da Construção de Estados Mentais Não-Violentos na Mídia em disciplina criada para o Curso de Jornalismo da UFRJ

Acabo de criar a disciplina Construção de Estados Mentais Não-Violentos na Mídia no Curso de Jornalismo da ECO/UFRJ.
Esta é a Ementa:

DISCIPLINA
A construção de estados mentais não-violentos na mídia
Prof. Evandro Vieira Ouriques

EMENTA

A mídia não-violenta é aquela que se afirma na integração das conquistas pós-modernas da autonomia do profissional (o primado da invenção e da criatividade) com a vigência de valores universais que garantam a vinculação social, sem totalitarismos. Examinaremos a não-violência no sentido do cientista político Johan Galtung, sempre lembrando, com Gandhi, que a não-violência covarde é pior do que a violência por causas justas. Entende-se que a gestão da informação e do conhecimento dependem de uma mudança da economia psíquica do sujeito e das empresas em relação à questão da liberdade socialmente responsável (“o estado de espírito bárbaro está em cada um de nós”), através da desobediência civil mental. O que interessa, portanto, é a investigação e a prática de uma certa autonomia do papel do profissional, da linguagem e das audiências em relação ao sistema e aos dispositivos de comunicação.

BIBLIOGRAFIA

1. OURIQUES, Evandro Vieira. 2004. A desobediência civil mental: Gandhi, Comunicação e Democracia. Inédito.
2. ________________________ (org. e ed.). 2003. Diálogo entre a civilizações: a experiência brasileira. ONU. Apoio da UNESCO e da Associação Palas Athena, entre outras.
3. GALTUNG, Johan. 2003. O caminho é a meta: Gandhi hoje. Palas Athena.
4. MATTELARD, Armand e Michele. 2003. História das teorias da comunicação. Edições Loyola.
5. MATURANA, Humberto e Verden-Zoller, Gerda. 2004. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. Palas Athena.
6. MCGOLDRICK, Annabel and LYNCH, Jake. 2000. Peace Journalism: How to Do It? October. http://www.transcend.org/
7. MELMAN, Charles. 2003. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun. Companhia de Freud Editora, Rio de Janeiro.
8. ZIZEK, Slavoj. 2003. Bem vindo ao deserto do real!: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas. Boitempo Editorial, São Paulo.

Thursday 15 April, 2004

Evandro Recommends A New Epistemological Perspective for Peace in the Essentially Masculine and Emblematic Crisis of Middle East

Article by Evandro Vieira Ouriques, Dr.

Strategy recommended by the author, as Member of the Global Lookout Panel of the Millennium Project of the American Council for the United Nations University, for the construction of Peace Scenarios in the Middle East.
2004

Dedicated to Lia Diskin, a Great Soul in Peace Action.

“What may appear as Truth to one person, will often appear as untruth to another person. But that need not worry the seeker. When there is an honest effort it will be realised that what appears to be different truths are like apparently different countless leaves of the same tree.”
Gandhi.

“The authority of a world democratic order simply cannot be built on anything else but the revitalized authority of the universe.”
Vaclav Havel .

“Not one of you is a believer until he loves for his brother what he loves for himself.”
Islam. Forty Hadith of an-Nawawi 13.

“We are members one of another.”
Christianism. Bible, Ephesians 4.25.

“When he [a certain heathen] went to Hillel, he said to him, "What is hateful to you, do not do to your neighbor: that is the whole Torah; all the rest of it is commentary; go and learn."
Judaism. Talmud, Shabbat 31a.

Abstract
This article shows why the Peace demands an epistemological change only possible throught educational, therapeutical and media multileveld actions (strategical organizational planning included) based on the re-valorization of the Feminine Principle. Under the pressure of globalization, the State is changing only throught the lost of its maternal aspect (protection and social benefits), while its paternal aspect (control power) grows tremendously. Peace construction -and the planning of it- becomes more effective with the use of the occidental participatory epistemology (the article’s focus), connected with the philosophies of India, as the epistemology of the advaita philosophy and the political theory of Gandhian’s Satyagraha and Sarvodaya.

We must to change our epistemological fundamentals to obtain peace. Peace is the process of to do one, of to do unity. For this we need universal values such as nonviolence, truth and the unity of all life. Including the Prince of Wales, president of The Prince of Wales International Business Leaders Forum, recognizes that “the free market will not on its own build a society free of hunger, ill health and insecurity.” And he recommends the “building [of] a sense of partnership within society (…) and [to] bond people together in a common endeavour” .

But how we can do this if the Western hegemonic desconstructivist epistemology insists, to prevent totalitarisms, on the total impossibility of any essence and any unity? This is the reason for which the epistemology is always , and specially now, the central question to understand the fundamentals of peace and to define the strategical planning of the institutional actions that constructs it. UNESCO understands that XXI’s Education must begins from the learning of how we know –from the knowledge of the knowledge . Many people and instituitions are more and more conscious that the crisis is a epistemological crisis.

Edgar Morin said that “la connaissance ne peut être considérée comme un outil ready made, que l’on peut utiliser sans examiner sa nature. (…) la connaissance de la connaissance doit-elle apparaître comme une nécessité première qui servirait de préparation à l’affrontement des risques [psychiques et culturelles] permanents d’erreur et d’illusion, qui ne cessent de parasiter l’esprit humain” .

As UNESCO says, Education “shall be directed for the full development of the human personality” . The empiric evidences of sociological and psychologycal researches shows clearly the consequences of mental and emotional pertubations (noises of Communication) . When Middle East people sits to dialogue, they sit with their unconscious epistemological fundamentals, and with the emotional consequences of their mind position, their mind asana.

So, we need special educational and therapeutical integrative methods to facilitates the process when we are institutionally constructing peace. In the specific case of Middle East, that is necessary, for example, to the groups that discusses the supply of water (Water Works) available to both, the action of the religious leaders (Open City) to solve the Jerusalem problem, and the spreading of the grass roots peace movement (Dove). We must be conscious that the crisis is only epistemological. All the groups envolved with the peace dialogue were tragically traumatized by their individual, educational and social histories.

We must to consider this when we are planning ours peace actions. As Humberto Maturana says, “all that a human being does, takes place in a relational ground defined by his or her emotionning in the moment of doing it; This is also the case in the act of reflection” . So, the better peace action to do is to develop organizational and institutional strategic plannings with this in mind. Reliatory acts must stop, for example. But how? To do peace we are always talking about pardon and self-pardon, comprehension, compassion, vidya , the most difficult human conquest. But, as Hegel suggested, “a civilization [the same with a person, I say] cannot become conscious of itself, cannot recognize its own significance, until it is so mature that it is approaching its own death [or the death of a phase of the own individual life, I say]” . The Middle East is the emblematic approach of the death of the present civilization, of the present epistemological fundamental of our personalities, movements, institutions, companies and organizations of all kinds.

To solve this challenge we must a personal and institutional multileveled action through Education and Therapy, based in the immanent intelligence of Nature , as it is understanding by the integrative tendence of Western Philosophy an by the ancestral wisdom, as we will see here. This is very difficult because it demands a psychologycal change, a internal change of the person or of the personality of an institution or organization . Only throught this we can superate the pervading sense of a separate ego irrevocably divided from the encompassing world and the consequent unresolved psychologycal and social trauma of violences.

Middle East is the emblematic tragedy of a globalized perspective based over the epistemological divorce between Culture and Nature, subject and object, Masculine Principle and Feminine Principle. This is the only reason of the tragedy -the dominant dualism of the modern and post-modern mind: man and nature, mind and matter, self and other, experience and reality, man and woman, riches and poors, whites and blacks, groups and others, israelis and palestinians. In religious terms, this situation is directly related with the patriarchal point of view of three abrahamics religions: Judaism, Islamism and Christianism. That is why I recommended, since the 1st Round, a complex of integrative educational and therapeutical actions to re-valorizate the feminine aspect of divinity in the Middle East imaginary .


THE WORLD AS A MENTAL CONSTRUCT
AND THE CULTURE AS AN EXPRESSION OF THE NATURE.

To better understand this complex subject it’s basic to remember the figures of Copernicus, Descartes and Kant. As Richard Tarnas says, “the cosmological estrangement of modern consciousness initiated by Copernicus and the ontological estrangement initiated by Descartes were completed by the epistemological estrangement initiated by Kant: a threefold mutually enforced prison of modern alienation”.
When Copernicus have displaced the human being from the cosmic center and Darwin relativizated it in the flux of evolution, the human species start to spins adrift. Once the axis mundi of the cosmos, human being change himself, throught his own consciousness, in “an insignificant inhabitant of a tiny planet revolving around an undistinguished at the edge of one galaxy among billions, in an indifferent and ultimately hostile universe”. Nature is hostile, so we must to fight against it, control it, dominates it inside or outside us: Culture against Nature.

Descartes and the subsequent scientific developments does the same. All this efforts constructs a schism between the personal and conscious human subject and the impersonal and unconscious material universe “revealing a world devoid of spiritual purpose, opaque, ruled by chance and necessity, without intrinsic meaning.”

That is what we observe in the archetypical structure of the media’s language and daily common sense. Humanity lives a tragic paradox: at the same time it lives in a world that it conceives intrinsically hostile, where “its soul has not felt at home”, and, all the time, and in all products and services that it consumes, it looks for the qualities of love , trust, friendship, tenderness, solidarity, poetry, ecstasis, transcendence. One by one of the qualities that human dominant epistemology says that does not has foundation in the empirical universe.

In this scenario, Kant's recognition of the human mind's subjective ordering of reality emerges like the central argument of the shift from the modern to the postmodern conception of reality. This epistemological position will be, since Kant, the host of all subsequent philosophical, scientific, political, economical and social developments.

As Tarnas brilliantly synthetized for us, “the consensus is decisive: The world is in some essential sense a construct. Human knowledge is radically interpretive. There are no perspective-independent facts. Every act of perception and cognition is contingent, mediated, situated, contextual, theory-soaked. Human language cannot establish its ground in an independent reality”.

This epistemological position has dominated the XX Century and our Western universities. Then, all the explanations of the universe, life and political, economical and social organization have been systematically "cleansed" of all spiritual qualities, desconstructing all the great traditional explanations. This is the epistemology that for the past three centuries the Western mind has considered intellectually justifiable. “In Ernest Gellner's words, ‘It was Kant's merit to see that this compulsion [for mechanistic impersonal explanations] is in us, not in things’." And "it was Weber's to see that it is historically a specific kind of mind, not human mind as such, that is subject to this compulsion."


HOW, WHEN AND WHERE
THERE IS NO DIFFERENCE BETWEEN DIFFERENTS

But the important conquest of the desconstrutivism finishes when it assumes itself as the absolute and the "realistic" perspective. As the only “real” experience of the world, in which the original consciousness of undifferentiated organismic unity with the Feminine Principle -a participation mystique with Nature- has been outgrown, disrupted, and lost. That is no more non-human laws. Today, even the human laws are disrespected as we saw in Kosovo, in Irak, in ours daily lives. The only law is the law of power, the desire for power, that talks about itself as the absolute nature of man.

But when one really pratices the desconstructivist method he needs to desconstruct the desconstructivism itself, as a logical consequence of itself. And one can find, for example, the epistemological system of the integrative Western philosopy and the advaita (non-dualist) philosophies of India. This another epistemology operates at the same time with diversity and unity.

For the Tantra, for example, there is only consciousness. The life we live is the direct result of the level and kind of our consciousness. That is the same that Kant and Nietzsche said -the world is a construct. But with a essential difference. The individual making decision’s process has in this epistemology, a reference: the ultimate reality. Then, the tantric social group tends to have an accurated sense of partnership: Brahman and its ethics, the Dharma, that re-unify the individuals throught their liberty. The individual process of re-connection with the matrix of being is the process of the conquest of freedom. Freedom, in this epistemological context, is to do the better that you can. The quality of the “better you can do” appears to you, to your family, friends, work, groups, societies, media, humanity.

This is a comlete paradox for Western hegemonic philosophy: a primordial no-human law that lives within the human liberty, because it is all, it is the Unity. This epistemology allows an entrance in time and history coherent with the enchantment of the cosmos. A total immersion in an ethical world, in which that is no contradiction between the individual liberty and the ultimate reality.

West desconstructivism is looking for the experience of complete liberty since many centuries. In this sense, the Sri Vidya philosophy of the South of India is very important. The goddess Lalita Mahatripurasundari is the central one of this tradition -the School of Auspicious Wisdom- a branch of Sakta Tantrism. This tradition is proeminent in the South of India, and has many variants on its theme, but (and this is absolutely decisive to epistemology and so to the construction of peace) none claim to be different than the others.

In this epistemological context we have, all the time, the union of the multi-differents, of the multi-apparent, of the n opposites. Diversity reveals itself only as singularity. The goddess Lalita is everything, including the Trimurti, the triple quality of ultimate reality simbolized in hindu tradition by Brahma, Vishnu and Shiva -all of them created by Brahman- and she is too the interdependence and the union of Siva (Masculine Principle) and Sakti (Feminine Principle) . She is too, at the same time, one of the wives of Shiva, Shiva, everything and the dissolution of everything.

The goddess Lalita's physical appearance completely changes with the cycle of her fifteen Nityas (the complete lunar cycle) or eternities. For each phase of the moon (Nitya), the goddess has a different appearance, a different name, a different mantra and a different yantra, but through all the Nityas -as the moon remains itself- she remains ever faithful to her true self.
This is another, certainlly more sophisticated and much more comprehensive epistemological perspective for the relation between diversity and unity, subject and object. The goddess Lalita is, at once, (1) the knower, (2) the process of knowing, and (3) the object of knowledge. To the Sri Vidya tradition these three categories do not differ from one another but are all one and the same. Once the knower begins the process of knowing, that knower becomes the object of knowledge: when one realizes the epistemological perspective of non-duality of this triad, and realizes that She/He is the knowledge for which She/He is searching, She/He gains a glimpse of the Absolute throught the dissolution, the desconstruction of herself.


THE PARTICIPATORY EPISTEMOLOGY AND
THE CONSTRUCTION OF PEACE

“At the same time that the Enlightenment reached its philosophical climax with Kant, the integrative epistemological perspective began to emerge in West with Goethe and was developed by Schiller, Schelling, Hegel, Coleridge, Emerson, and articulated within the past century by Rudolf Steiner. All these thinkers haven a fundamental conviction that the relation of the human mind to the world was ultimately not dualistic, but participatory”, says Tarnas. That is the appropriate epistemology to construct peace.

If we study the ancient Western cultures, like the indigenous perspectives, we find the same epistemology, lato sensu. Like Kantian epistemology, these perspectives organizes itselves in the same way: all human knowledge of the world is, in some sense, determined by subjective principles. For the advaita philosophy of India, once more, reality does not exist: only consciousness exists.

In this participatory conception, as Tantra teachs, these subjective principles -subjectivity as the ground of liberty- are an expression of the world's own being, and, with Tarnas, “the human mind is ultimately the organ of the world's own process of self-revelation. In this view, the essential reality of nature is not separate, self-contained, and complete in itself, so that the human mind can examine it "objectively" and register it from without. Rather, nature's unfolding truth emerges only with the active participation of the human mind. Nature's reality is not merely phenomenal, nor is it independent and objective; rather, it is something that comes into being through the very act of human cognition. Nature becomes intelligible to itself through the human mind”.

That is the epistemological reason for Nature pervades everything, and the human mind in all its fullness is itself an expression of Nature's essential being. Culture is a expression of Nature. Rather, “the world's truth realizes itself within and through the human mind”. Tarnas remember that “this participatory epistemology is not a regression to naive participation mystique, but it is the dialectical synthesis of the long evolution from the primordial undifferentiated consciousness through the dualistic alienation. It incorporates the postmodern understanding of knowledge and yet goes beyond it”.

Since 1969 I am constructing, at Academy, conceptual and operational instruments to go beyond this epistemological crisis and, since 1992, specifically with methods to surpass it throught the re-valorization of the Feminine Principle. We must do that, because Western Philosophy has been, archetypically, a masculine phenomenon that affected with its male perspectives all human thought, feelling, behavior, relationship, sexuality, religion, science and social theory.

Since the barbarians invasions about circa 4000 BC, when the matrifocal organization was destroyed, all the major languages of the Western tradition have personified our species, as we know, with words that are masculine in gender: anthropos, homo, l'homme, el hombre, l'uomo, o homem, chelovek, der Mensch, man, humanity. As Tarnas says, “the ‘man’ of the Western tradition has been a questing masculine hero, a Promethean biological and metaphysical rebel who has constantly sought freedom and progress for himself, and who has thus constantly striven to differentiate himself from and control the matrix out of which he emerged. This masculine predisposition in the evolution of the Western mind, though largely unconscious, has been not only characteristic of that evolution, but essential to it.”

That is the origin of all the human crisis, and, of course, the origin of the emblematic Middle East crisis: the Western impulse to create an autonomous rational human self, separated from the primordial unity with Nature, from the Mother Principle. That is a disaster, because when we murdered our Archetypical Mother it is obvious that we can murder our brothers and sisters, with weapons or/and with subtle agressive interpersonal relationship, and with politics and economics.

The failure of the social cycle of ONU conferences during the 90’s, and of other decisive international attempts, as the Summit of the Americas in Monterrey, in January 2004, have announced the present escalade of the terrorism of all orders: psychical, economical, political and social . The Millennium Development Goals (MDGs) are endangered, and available estimates suggest that for all countries to meet the MDGs by 2015, at least US$ 50 billion a year in additional ODA would be needed. But the last report of the World Commission on the Social Dimension of Globalization, established by the International Labour Organization (ILO) in February 2002, remember that perhaps humanity will have only US$ 16 billion by 2006 -this still leaves over two-thirds of the total to be met, even if all commitments are honoured .

Our crisis is, in fact, the result of the great patriarchal nomadic conquests in Greece and of the genaral Levant over the ancient matrifocal cultures, as I said, and is perfectly visible in the West's patriarchal religion beginning from Judaism, as we can see, for exemple, in the Judaeo-Christian and Babilonic denial of the Great Mother Goddessas. To obtain the independent individual ego and the self-determining human being, the masculine epistemology has repressed the Feminine Principle: only man is a conscious intelligent being. The woman, the body, the “no-civilized”, the Nature and the Cosmos are blind, no-intellingent, no-alive and so purely mechanistic. “God is dead” and we live on an absolute isolation. Like enemies in the field of struggle. Like enemies in the Middle East. Atomized, soulless and self-destructive, projectively identified as “other”.

So, the crisis is an essentially masculine crisis. Its resolution is been constructing in the great emergence of the feminine in our culture, in the re-emergence of the integrative tendance of Western philosophy and of the ancient wisdom, in the desconstruction of the desconstrutivism, in the emergence of the right hemisphere of the brain and in the emotional and spiritual intelligences. I demonstrated systematically how the media virtually uses all the values of the feminine to qualify its products because the human being needs unconsciously rediscover and re-unite itself with the mystery of life, of nature, of soul: rediscover the Sacred Unity, as Gregory Bateson shows in a pioneer way.


WHEN THE MIND WAS DEVELOPPED UNTIL REACHING ITS FURTHEST LIMITS, THE EPISTEMOLOGY IS THE QUESTION AND THE INTEGRAL COMMUNICATION IS THE SOLUTION.

To solve this paradox in the field of Communication and Culture, I created, in 2001, the Model of Integral Communication, having the Being as the reference point -as foundation’s foundation. Instead of emissor and receptor, the human is, within this new model, a multi-creative channel.

The basis of Communication is the duality: Silence and Speech, Presence and Absence, Feminine and Masculine, Black and White, Forms and Colors, Estability and Movement, Newness and Redundancy. The apparent duality is the language of Nature. So, this new Theory of Communication shows why Communication is much more than media: it is the proper language of Nature, of the Universe. It is all, and we and all are within it. We are, totally, and only, itself. Epistemology is the question, Integral Communication is the solution.

The paradigm of the Model of Integral Communication is, of course, the integral or integrative paradigm. It is, at the same time, a conceptual and an operational domain, that originates new educational and therapeutical methods and gives occidental epistemological support to the ancient and not yet hegemonic epistemologies of humanity. It operates ethics producing communion, peace on the community. In this sense, I have demonstrated, in 1992, with Life, Geometry and Society , my Master on Communication and Culture/FURJ, the importance to Communication and Politcs of the force of the affective field (Psycology) as decisive for the construction of the consciousness (formation of the public included, of course). And, overall, how the media constructs its values throught euclidean and chaos geometries, including the writing, understood as the design of the oral language, the design of mind, itself the design of the world, the human dimension.

In the Model of Integral Communication the ego shows up as the origin of the crisis, marked by the imperium of the desire and struggle for power throught the antecipation of the future, instrumented by the technology. For Marcio Tavares d’Amaral, Dr., brazilian philosopher and psychoanalist, philosopers and thinkers need meditation when they want to think under the pressure of the globalizaded philosophy. That is the importance of meditation processes. We know that time is the central question for the great historical spiritual traditions as well to actuality . We must operate conscious that eternity is the way out for the violence of forms, the way out of the absence of ethics.

Only with the presence of the Being in our decisions making process we can modify society's future . This is done starting from universal values. That is the precise goal of my work with integrative methods for strategic organizational and personal development. This epistemology and its educational and therapeutical methods contributes -in a decisive way- to dilute resistances to the Being found in people through the development of the mind until reaching its furthest limits (Jnana Yoga, in hinduist terms).

The reunion with Feminine Principle can now occur on a new and profoundly different level from that of the primordial, ancestral unconscious unity. The long evolution of human consciousness has prepared it to be capable at last of embracing the ground and matrix of its own being freely and consciously.

This, as Tarnas synthetized so well, “is visible not only in the rise of feminism, the growing empowerment of women, and the widespread opening up to feminine values by both men and women, and not only in the rapid burgeoning of women's scholarship and gender-sensitive perspectives in virtually every intellectual discipline, but also in the increasing sense of unity with the planet and all forms of nature on it, in the increasing awareness of the ecological and the growing reaction against political and corporate policies supporting the domination and exploitation of the environment, in the growing embrace of the human community, in the accelerating collapse of long-standing political and ideological barriers separating the world's peoples, in the deepening recognition of the value and necessity of partnership, pluralism, and the interplay of many perspectives. It is visible also in the widespread urge to reconnect with the body, the emotions, the unconscious, the imagination and intuition, in the new concern with the mystery of childbirth and the dignity of the maternal, in the growing recognition of an immanent intelligence in nature, in the broad popularity of the Gaia hypothesis. It can be seen in the increasing appreciation of indigenous and archaic cultural perspectives such as the Native American, African, and ancient European, in the new awareness of feminine perspectives of the divine, in the archaeological recovery of the Goddess tradition and the contemporary reemergence of Goddess worship, in the rise of Sophianic Judaeo-Christian theology and the papal declaration of the Assumptio Mariae, in the widely noted spontaneous upsurge of feminine archetypal phenomena in individual dreams and psychotherapy. And it is evident as well in the great wave of interest in the mythological perspective, in esoteric disciplines, in Eastern mysticism, in shamanism, in archetypal and transpersonal psychology, in hermeneutics and other non-objectivist epistemologies, in scientific theories of the holonomic universe, morphogenetic fields, dissipative structures, chaos theory, systems theory, the ecology of mind, the participatory universe -the list could go on and on. As Jung prophesied, an epochal shift is taking place in the contemporary psyche, a reconciliation between the two great polarities, a union of opposites: a hieros gamos (sacred marriage) between the long-dominant but now alienated masculine and the long-suppressed but now ascending feminine.”

But there is a tremendous challenge to achieve this reintegration of the feminine: we must undergo a sacrifice, we must undergo the death of our proper ego. And help the interested people and organizations to do the same. It is for this reason that I strongly recommend the concentration on programs of Education and Therapy to the construction of peace. A millenarian tradition of repressed feminine has caused tremendous and tragical traumas on human personalities. That is the origin of the circle of retaliatory acts. The Western and its emblematic Middle East mind must be help on its willing to open itself, because in reality is incredible difficult to change the established beliefs and feellings about itself, the world, and the pseudo enemy. This is the real act of a heroe.

To go beyond the current situation, it is absolutely necessary a heroic act of imagination to see through and overcome our unconscious shadow, epistemologically based, to freely choose to enter into a fundamentally new relationship of mutuality, when the enemy is not a enemy but a brother and a sister, sons of the same Mother and the same Father. We need a Mother Nature not objectified like the “other”, controlled, denied, hummiliated and exploited, but fully understood and respected, because it is all, it is ourselves, the source and the goal of its ethical immanent presence -Dharma.

This epistemological position can construct the great change. As Tarnas, I consider that the “stupendous Western project should be seen as a necessary and noble part of a great dialectic, and not simply rejected as an imperialist-chauvinist plot. Not only has this tradition achieved that fundamental differentiation and autonomy of the human which alone could allow the possibility of such a larger synthesis, it has also painstakingly prepared the way for its own self-transcendence. (…) It brings an unexpected opening to a larger reality that cannot be grasped before it arrives, because this new reality is itself a creative act.” In fact, we are living today the death of modern man, the death of Western man. The end of "man" is now at ours consciousness and so at our hands. Man is a epistemological concept that must be overcome, and fulfilled, “in the embrace of the feminine”. Only when humanity can find a no-gender name to itself it will be free.

As Budhist tradition says, “this world of men, given over to the idea of "I am the agent," bound up with the idea "another is the agent," understand not truly this thing; they have not seen it as a thorn. For one who looks at this thorn with caution, the idea "I am the agent" exists not, the idea "another is the agent" exists not” .

In emergent strands of Western integrative thought, the relation between truth and action or truth and humanity has become decisive. Action needs to be guided individually and collectively by truth. “Truth and Love -ahimsa- is the only thing that counts. Where this is present, everything rights itself in the end. This is a law to which there is no exception” , teachs Gandhi.
Appendix

Truth and Peace:
now, only the feminine principle will assure
the dialogue in the Middle East.

By Evandro Vieira Ouriques, Dr.
Strategy Recommended to the Millennium Project in the
2nd Round of Millenium Questionnaires, 2003.


It is imperative to overcome the contemporary obscurantism of the Feminine Principle, both in the Jewish and Islamic traditions, as they are very often professed. This emblematic conflict is not a coincidence. It is basically a conflict between two (Judaism and Islamism) of the three world monotheist religions, with the intervenience of the third one (Christianism) of its, in which the central fundamental is masculine. In fact this conflict -it is the failure of the Patriarchal system.

This can be overcome in a two-way process:

1. Education based on the Feminine Principle values that -with compassion, solidariety, protection and unconditional love- established that we are all brothers and sisters, stimulating the permanent self-knowledge.

2. Emotional and spiritual re-education, throught Therapy based too on the Feminine Principle, of people, organizations and populations.


I. Selected Actions

a. (4.16) Honor international commitments in good faith.
b. (6.13) Include the teachings of Buddha, Hindu principles of tolerance and the
Gandhian ideas of Ahimsa and Non-violence in the school curriculum in
Israel and Palestine.
c. (6.15) Inculcate a mindset of co-existing in spite of differences by educating the
younger generation on the need for tolerance and unconditional love.

II. Diagnosis

I reinforce what I have recommended in the First Round of this study: the Lack of Confidence is the key-feeling of the crisis conflict based on the suppression of the “Other”. This lack occurs throught the follow integraded levels:

1. The Confidence in the Other

In the most immediate level of the crisis, we find the lack of confidence in the other person or other groups, moved by the follow stractural conception:"he does not understand me and I am right". It is the lack of skill to communicate. As Life is only a Communication Field, this attitude breaks up the psychic and social cohesion. Statistics confirm that. Even well successful actions to construct peace scenarios -at the cost of much work, hopes and resources during the 70’s, 80’s and 90’s- are facing now a scaring reality: social tragedy has grown.

2. The Self-Confidence

In a deeper level, we have the lack of self-confidence. The desorientation, the social and psychic unsafety, depression, agression, corruption, are all symptoms of disease, of the lost of the capacity of to do Unity.

3. Confidence in Life

In a much deeper level, there is the lack of confidence in Life. The lack of confidence in the force that created itself. That is what Sagans Cosmic Calendar shows. It is like a child that feels rejected by his Mother. Lonely, insecure, and feeling guilty and revengeous. However, we are Nature´s sons and daughters (14-15 billion years of big Bang versus circa 80 thousand years of Homo Sapiens), manifestations of universal energy, as it is demonstrated by Physics.


III. The permanent presence of the religious aspect in the negotiations

The implementation of Truth as a pre-condition for the peace-building, reconnecting persons, organizations and institutions with the Sacred Unity (Gregory Bateson), surpassing the oblivion of the Being´s oblivion (Heidegger).

Due to the fact that there is only consciousness in the consciousness of Totality, I strongly recommend NOT to leave out the religious aspect in the negotiations moments. Because in this aspect leaves the exact reason of this emblematic conflict. If we don´t comprehend this complex theme, Peace will never be reached!

1. Agents Involved

All people in all moments of their lives, in all their relationships, specially those who have more spiritual, emotional and material resources and work with Education, Therapy and Media. Those are the one who will have more contributions to be given now.

Teachers must be supported and helped by governaments.

2. Tactics

Mobilization in all possible fields, maintaining self-transformation to eliminate mistaken information of an antropocentric and patriarchal past, in favor of matrifocal thoughts and actions, in which ego is no more a guidance of decision making.

Consider that the perpetuation of a unfare regime depend on cooperation, obedience and consent from people, groups and populations. The agressor feeds the victims submiting them to him. The path to change this relationship is self-education to not to cooperate with injustice, to not cooperate with indignity, to not cooperate with humiliation. We must create non-violent cells for resistance (Gandhi).


OBSERVAÇÃO: tendo em vista o grande número de notas deste estudo elas estão disponíveis sob pedido.